quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Livros (lidos ou em vias disso)

"Quanto mais sei, maior é a minha ignorância" foi uma frase que fixei na década de setenta do século  passado (estranho) e me acompanha desde essa altura. Foi-me transmitida por um Professor (assim mesmo, com letra grande) do ISCAL chamado Dragomir Knapic, refugiado da (nessa altura) Jugoslávia e que leccionava Geografia Geral e Económica. Lembro-me dela amiúde e procuro que me desafie sempre. Correndo o risco de ser o "chato de serviço" ilustrei-a para os meus filhos em tempos idos e, mais recentemente, para o meu neto grande. Espero conseguir ainda transmiti-la aos outros três.

Vem isto a propósito de um livro que estou a acabar de ler: numa das suas crónicas do Expresso, Miguel Sousa Tavares referia, "en passant", que Milton Hatoum era um dos grandes escritores brasileiros da actualidade e que Dois Irmãos era um romance genial. Desconhecia o autor e, naturalmente, também o livro. Nestas alturas, a minha impaciência e o meu gosto por livros não me deixam hesitar e pronto, mandei vir ... está quase no fim e é, sem dúvida, um livro "enorme" que não chega às trezentas páginas, escrito em português "do Brasil" sem acordo ortográfico!

" (...) A cada mês, na noite de um sábado, a casa de Estelita virava um cassino, explodia de tanta luz, só eles na rua tinham gerador. Os vizinhos não eram convidados a entrar no palacete iluminado, ficavam na janela, intocados na escuridão, admirando aquele chafariz de lâmpadas, tentando adivinhar quem eram os convidados. Naquelas noites, Estelita tinha a audácia de pedir a Zana baldes cheios de gelo. Certa vez pediu um rolo de gaze. Fui levar o gelo e a gaze, e fiquei curioso de saber quem estava ferido no palácio dos Reinoso. Antes de voltar, dei uma espiadela na sala onde iam jantar antes da jogatina. O rolo de gaze havia se transformado em trouxinhas que os convidados usavam para espremer o limão sobre o peixe. Contei a cena a Halim. "São finíssimos, pertencem à nossa aristocracia", disse ele, "por isso adoram aqueles macacos enjaulados no quintal." Um dia encasquetei: me recusei a ser mensageiro dos Reinoso. Minha mãe não tinha coragem de dizer a Zana que eu não era um empregado dos outros. Eu mesmo disse, exagerando um pouco, contando que Estelita atrapalhava a minha vida, que eu não tinha tempo para trabalhar em casa. Halim concordou comigo. E muitos anos depois, quando Zana expulsou brutalmente Estelita de casa, dei umas gargalhadas na cara daquela megera.(...)"

Dois irmãos
Milton Hatoum
Companhia das Letras (2017)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Palavras bonitas

TRAJECTO NA ESCRITA

Vou entrançando
o traçado
do meu trajecto na escrita

Consulto os mapas da alma
o júbilo, a assombração
do coração a desdita

os atlas da insubmissão
as cartas dos oceanos
os versos, a alegoria

Vou navegando à bolina
por entre ventos contrários
e ondas enraivecidas

com a bússola da transgressão
os astrolábios dos dias
e as palavras da poesia

Vou atando e desatando
o destino e a desdita
misturando os nós dos mares

com o anelo da paixão
o alvoroço da vida
as dúvidas da harmonia

e a minha melancolia

Maria Teresa Horta
Estranhezas
D. Quixote - 2018


sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Teatro A Barraca

E já estamos a chegar ao mês do Natal, o que significa mais um ano a finar-se e outro a nascer, cheio de votos de que "se não for melhor, seja pelo menos igual".
O tempo corre a uma velocidade estonteante, qual carro de Fórmula Um e, com esta velocidade, nem há tempo para escrever meia dúzia de linhas por aqui.
Um mês sem nada, francamente ...
Para memória futura, fica o registo de mais uma ida ao teatro, ver a peça que está em cena n'A Barraca - À volta o mar, no meio o inferno. E, como é normal, foi mais uma noite de grande Teatro, com a particularidade de o espectáculo ter o seu início às, pouco habituais, 19H00. Nunca me tinha acontecido ir ao teatro a esta hora. No final, Maria do Céu Guerra (que me tinha atendido o telefone para a reserva) explicou aos presentes que a alteração do horário era uma experiência, por terem recebido sugestões nesse sentido e por lhes parecer que, no Inverno, talvez trouxesse mais gente. 
Não estavam muitos espectadores. O espectáculo, todo ele, do texto aos actores, vale a pena e merece ser visto. A Barraca ainda não é um oásis, mas quase ...
Ainda por cima, cheguei a casa pouco passava das 23H00, depois de duas horas e meia de bom teatro.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Livros (lidos ou em vias disso)

Depois do crime o remorso a pesar, o pensamento sem sossego, as noites sem sono, os dias, as coisas, as pessoas, as memórias, a vida ... de quem se dedica a cobranças difíceis e, nos intervalos, joga bilhar.

(...) Precisava de concentrar-me antes de começar a partida mas a cabeça fugia-me sempre para o homem, o doutor, o ervanário e os outros, a moer tudo aquilo que se tem passado nos últimos tempos enquanto um pedaço de cesto, meio submerso, se afastava de mim rio abaixo, detendo-se por vezes a observar-me sobre a asa de plástico, igualzinho a essas pessoas, já distantes, que de repente nos olham por cima do ombro antes de desaparecerem de vez comigo a pensar
     - Conheço-te?
     porque com o meu tipo de trabalho temos de ser atentos, nunca se sabe de onde vem uma ameaça, um problema, não há maneira dos outros compreenderem que apenas faço o que me compete, também necessito de comer, interessa-me lá a vidinha deles e como se trata de um encargo somente até podíamos, palavra de honra, ficar amigos depois, de quando em quando, por exemplo, aparecem-me inclusive caras com as quais simpatizo mas que me vejo obrigado a amarrotar um bocadinho, com elas já de gatas, até conseguir o dinheiro e gostava que percebessem que o sofrimento alheio não me dá prazer, resolvida a questão deixo-os na paz do Senhor, numa ou duas ocasiões ajudei-os a levantarem-se e cheguei a indicar onde fica a farmácia mais próxima onde além de tratar os dói dóis podem verificar na balança de cursor
     (são giros os cursores)
     se o peso aumentou ou tirar as medidas ao colesterol evitando tromboses, se calhar, vai na volta, salvei vidas e portanto até não foi mau de todo conhecerem-me, no que diz respeito a gratidão, não haja infelizmente muitas pessoas que a sintam e é pena, (...)

A última porta antes da noite
António Lobo Antunes
D. Quixote (2018)

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Livros (lidos ou em vias disso)

Apesar do grande poder que a vida lhe ofertou (ou ele tomou), de ter sempre uma multidão a seus pés, de lhe bastar um mero olhar para ser obedecido e venerado, o presidente morreu e, em vez do funeral de estado que se preparava, vai ser escondido na lixeira. Apesar de bem morto e bem pregado no caixão, ele ainda filosofa:

(...) Vão me enterrar numa lixeira. Um presidente soterrado por lixo, deve ser uma metáfora que não entendo, com as faculdades já diminuídas.

Mas adivinho as piadas a surgir se me descobrirem o caixão aqui no meio da merda. O que pode acontecer por causa do desespero. Ninguém sabe quanto cava uma pessoa quase morta de fome e que espera encontrar qualquer coisa para comer, mesmo podre, ou para vender, mesmo estragada. Algum jornal satírico põe logo em título: <>, o que deve ter mesmo piada, porque não estou propriamente enterrado, mas sim, enlixado mesmo. E bem lixado. Talvez não tenha sido a melhor ideia dos meus familiares e amigos, mas até compreendo, a rapidez da manobra não permitia olhar ao sítio, este era o melhor entre os próximos. Ou o menos mau. Como se tivessem a intenção de me impedirem de pensar com os meus botões de punho em ouro puro, atiraram mais entulho para cima, o qual foi abafando todo o som do mundo vivo e do inerte, se este tem alguma voz.

O manto do silêncio me cobria finalmente. (...)

Sua Excelência, de corpo presente
Pepetela
D. Quixote (2018)

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Peixeiro

Era M. da Nazaré, revelando o apelido a origem da vila piscatória a que voltava, duas, três vezes por semana, sempre que lhe "cheirava" haver peixe. Utilizava o burro para fazer cerca de trinta quilómetros e trazia a mercadoria nos dois alforges que o asinino carregava, para além do peso do dono. O peixe era adquirido vá lá saber-se como porque, na altura, não havia lota nem ASAE.
Chegado ao poiso, enchia duas canastras ligadas por um pau grosso, que lhe permitia carregá-las ao ombro, sem grande esforço aparente. O peixe maiorzinho - chicharro, carapau, talvez um goraz - ficava na canastra da frente; a da traseira era cheia com as petingas, os carapaus do gato, as cavalas, algumas sardas. 
E. a pé, lá corria ele toda a aldeia, bem cedo, anunciando a sua presença com o roncar de um búzio, enorme, que se ouvia bem longe. Vendido o peixe, era tempo de desfrutar dos lucros. Arrumado o "veículo", a corrida para a taberna era imediata, que os cobres ganhos já pesavam na algibeira e chegavam para a bebedeira que começava à hora a que havia de almoçar e se prolongava até àquela a que devia jantar.
A companheira aguardava-o na soleira da casa (barraco) e, à distância, avaliava se havia condições para ali permanecer ou era melhor arranjar onde passar a noite, para que a tempestade de estalo e pontapé não lhe fizesse mais negras do que as que trazia sempre. 
Os vizinhos, mais afoitos, questionavam de vez em quando:

- Você, quando está são, até nem é má pessoa, mas bêbado ... até a desgraçada da mulher tem de fugir para não comer pela medida grossa.

- Desgraçada?! Tem sorte em estar comigo. Não presta para nada ... até lhe faltam bocados.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Crónica de uma morte anunciada

Provecto sexagenário, o poste tem os seus dias contados desde Julho. No início, teve alguma amargura com a notícia, por não se ter preparado com o devido tempo, como convém a quem vai contando os anos sabendo que a eternidade é apenas uma miragem.
Custa, sabemos que custa, chegar ao fim quando ainda damos luz, iluminamos, criamos sombras, mas ... chegou a altura de ser substituído por um outro, melhor colocado e, sobretudo, posto em lugar público porque a este se destina o serviço prestado.
O poste concluiu, assim, que o melhor era sair, tendo consciência que a sua hora chegara! E aguarda, serenamente, que os "gatos pingados" lhe prestem as devidas homenagens de forma digna, sem presunções nem discursos, mas condizentes com a luz que a todos deu, de forma desinteressada e sem olhar a estatuto, credo, cor ou género, como agora soe dizer-se. Mesmo nos anos do breu, procurou aclarar sempre as vistas a quem o visitava ou por ali viajava.
Eis senão quando se verifica que o A não o pode retirar sem o B; o B necessita de autorização do C, que está em reunião; o D garante que esta semana é que é e o E, que conhece o problema e já esteve no local, tem vontade de o resolver mas aguarda a decisão sobre a requalificação (bonita palavra) do local.
E o poste, periclitante, pensa um pouco e desabafa:

- Porque não caio eu do pedestal, já tão reduzido, sem intervenção destas mentes brilhantes?

Não, responde o bom senso. Vamos aguardar que a solução não tarda! É só uma questão de tempo!

sábado, 6 de outubro de 2018

Livros (lidos ou em vias disso)

Ler, dizia-se hoje em Óbidos, é uma actividade que exige um trabalho enorme do nosso cérebro. Esse trabalho é, na maioria das vezes, completamente inglório, por não se conseguir opinião igual nos leitores e, muito menos, que ela seja coincidente com a do respectivo autor. E, lugar comum, o mesmo livro provoca reacção diferente na mesma pessoa se lido (relido) em tempos diferentes.
Deixem-se as coisas sérias e as opiniões mais ou menos filosóficas e veja-se como é possível escrever verdades tão duras com um humor genial.

LUTA DE CLASSES VOCABULAR

"Certas palavras têm mais prestígio do que outras. A palavra desfalque olha de cima para a palavra roubo - e, por isso, o elegante autor de um desfalque distingue-se de um vulgar ladrão. As sentenças judiciais costumam ser bem mais pesadas para o segundo, por pouco que ele roube, do que para o primeiro, por mais que ele desfalque. Ora, a minha vida decorre inteiramente num universo lexical desprovido de prestígio. Tirando fugazes momentos em que, no entender de certos operadores de telemarketing, eu sou um cavalheiro, na esmagadora maioria do tempo eu sou um gajo. Todas as palavras usadas para me descrever a mim e ao meu mundo são triviais. Por exemplo, na última ceia, Nosso Senhor Jesus Cristo bebeu por um Graal. Nunca me aconteceu. Os meus amigos e eu, quando jantamos, bebemos sempre por copos. Nunca vamos tomar uns grais. São sempre vulgares - e, por vezes, plásticos - copos. Muito provavelmente, também não terei um solene leito de morte. Como é óbvio, durmo numa cama. Devo morrer lá. Outro exemplo: nos livros, as personagens retiram-se com muita frequência para os seus aposentos. Eu vou para o meu quarto. Quando os meus pais (quando eu era pequeno), ou a minha mulher (agora) me põem de castigo, é para o quarto que me mandam.
Sucede que as palavras determinam a qualidade das coisas. Às vezes vou a um desses novos restaurantes em que os pratos levam dez linhas a descrever. No meu tempo não era assim. Os pratos eram designados por uma palavra só. Feijoada. Chanfana. Cozido. Hoje sinto que me falta formação académica para almoçar lascas de bacalhau em azeite a baixa temperatura sobre cama de puré de grão de bico e espinafres baby com redução de balsâmico, alho e ervas finas. E, quando a comida chega à mesa, descubro sempre que desfrutei mais da descrição do que sua ingestão. As palavras são mais ricas do que a comida, mais suculentas do que a comida, mais saborosas do que a comida. E, neste tipo de restaurante, normalmente as palavras são mais do que a comida. O discurso sobre a comida é melhor do que a comida, faz a comida melhor do que ela é. Na minha vida isso é impossível. Palavras cruelmente banais descrevem a minha evidente banalidade. Não hei-de falecer no meu leito de morte após uma noite de graais. Vou morrer na cama depois de ter estado nos copos. E já será uma sorte."

Estar vivo aleija
Ricardo Araújo Pereira

Quotidiano

Está a chegar a noite num sábado de Outubro que mais parece de Julho, que teve uma manhã de praia e uma tarde de F(Ó)LIO - que também está a acabar - ouvindo João Pinto Coelho e Joel Neto falarem sobre o medo do desconhecido, moderados por Patrícia Portela. 
Ouvir falar de literatura por quem sabe o que diz causa-me sempre arrepios, agravados, desta vez, por virem à baila crimes do holocausto e as tremuras das ilhas, lindas, dos Açores. 
De regresso a casa, o melhor é ouvir música (boa) e com excelentes palavras, como esta:

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Quotidiano

De passagem, ouvem-se duas jovens à conversa:

- Vamos ver como corre este ano ... as horas são poucas e o dinheirinho, idem.
- Também me queixo do mesmo ...
- Tentei a Câmara, meti os papéis, mas falta-me o "Factor C" ...
- E não conheces lá ninguém?
- Conheço algumas pessoas, mas são dos fracos ... o "Factor" tem de ser forte ... o trabalho não me seduz muito, mas o ordenado ... que diferença!

E pronto! 
O idoso, já reformado, seguiu a sua vidinha a pensar que, há 50 anos, o tal "Factor C" já era determinante para muitos, mas havia alguns que conseguiam escapar por entre os "intervalos da chuva". Ainda haverá?

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Palavras bonitas

Não estou pensando em nada
e essa coisa central, que é coisa nenhuma,
é-me agradável como o ar da noite,
fresco em contraste com o Verão quente do dia.

Não estou pensando em nada, e que bom!

Pensar em nada
é ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
é viver intimamente
o fluxo e o refluxo da vida ...
Não estou pensando em nada.
É como se me tivesse encostado mal.
Uma dor nas costas, ou num lado das costas.

Há um amargo de boca na minha alma:
É que, no fim de contas,
não estou pensando em nada.
Mas realmente em nada.
Em nada ...

Poesias de Álvaro de Campos
Edições Ática - 1980

(O meu pai partiu há três anos)

sábado, 28 de julho de 2018

Língua Portuguesa

Num dia lê-se no rodapé de um telejornal "clipse" em vez de eclipse; noutro chama-se "imigrante" a um emigrante; noutro ainda ouve-se que "quaisqueres" das soluções são possíveis. 
A perplexidade com o tratamento público que a nossa língua vai tendo onde deveria haver extremo cuidado cria, num velho que tanto procurou (e ainda procura todos os dias) conhecê-la, um sentimento de desgosto, pena e dó que "hadem" servir de pouco, ou melhor, de nada.
Apesar de tudo, ainda se mantêm alguns "nadadores" que procuram evitar que o afogamento aconteça.
Miguel Sousa Tavares é um deles e esta semana, a propósito da polémica de "Os Maias" nas escolas, escreve, no Expresso, de acordo com a antiga ortografia, esta maravilha:

"(...) E agora vêm "Os Maias", cuja leitura fica ao critério das escolas - onde, aliás, esta e outras leituras ditas obrigatórias, já eram aprendidas em textos resumidos ao alcance do nível de preguiça instalado na cabeça das criancinhas. "Os Maias", caramba! O mais fácil, o mais sedutor, o mais actual romance da nossa literatura! Se nem ao Eça chegam, como poderão chegar um dia a Camilo e descobrir como esta nossa língua, tão mal tratada nas escolas, nas televisões, no Acordo Ortográfico, nas redes sociais, nas novelas, já foi um dia uma língua de uma riqueza deslumbrante? Nestes tempos do facilitismo irresponsável, pensei durante muito tempo que, pelo menos, haveria uma recompensa para os que fugissem à regra da facilidade e da alarvidade reinante: que o futuro pertenceria, não a quem tivesse mais canudos ou mais dinheiro, mas a quem tivesse mais conhecimentos e mais cultura. Todavia olhamos para o mundo como ele está, vemos o triunfo dos que hoje mandam no mundo e somos forçados a perceber que já nem isso é uma esperança. Quando a maioria é formada na ignorância e é a maioria que escolhe quem manda, manda a ignorância.(...)"

Nota: Li "Os Maias" há mais de 50 anos, emprestado pela "carrinha" da Gulbenkian. Os meus filhos já o tiveram em casa e o exemplar está cheio de anotações. Irão lê-lo os meus netos?

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Quotidiano

Ao contrário do que vai acontecendo em todos os continentes e que tanto nos deve preocupar, no Oeste o clima não muda: a um dia de sol e praia sensacional, seguem-se dois ou três de nevoeiro, cacimbo e alguns chuviscos. Vê-se a Berlenga, talvez chova; não se vê, chove de certeza!
Valha-nos a água que, contrariando o costume, tem uma temperatura de fazer inveja ao Algarve.
O Sol parece que tem viagem marcada na CP e, como todos sabemos, na linha do Oeste nunca se garante que o comboio exista e/ou chegue a tempo.
Talvez volte amanhã a ser o dia ... na Foz do Arelho!

sábado, 26 de maio de 2018

Júlio Pomar




Faleceu na passada terça-feira, 22 de Maio, o grande Júlio Pomar, que nos deixa  legado extraordinário, da pintura à cerâmica, do desenho à gravura, da poesia à intervenção política.

O "Almoço do Trolha" e o "Retrato de Mário Soares" serão, talvez, as suas pinturas mais conhecidas, mas uma visita ao seu Atelier Museu dará uma perspectiva mais real da grandeza da sua obra.

No Expresso de hoje, o cartunista António oferece-nos um "retrato" delicioso, como só ele consegue fazer.







terça-feira, 8 de maio de 2018

Mãe

Em cada ano que passa as memórias recuam cada vez mais; os "armários" abrem e mostram o que está arquivado há tantos, tantos anos; e não são memórias difusas, são imagens claras, nítidas, sem sombra de névoa ou de nuvem a cobrir-te. E vejo o colo e as lágrimas que, apesar da força com que as tentas controlar, afloram nos teus olhos tristes mas tão cheios de esperança.
"Quanto é doce" ... no dia em que farias 95 anos.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Livros (lidos ou em vias disso)

O meu amigo ADS emprestou-me, há meia dúzia de dias, dois livros que eu não conhecia.

Um deles, conta a história da recuperação dos tesouros roubados pelos nazis na II Grande Guerra (Os homens dos monumentos, de Robert M. Edsel), inspirou o filme Os caçadores de Tesouros e já está no saquinho para devolver ao dono; o outro, é uma reedição do nosso Raúl Brandão, onde ele conta uma viagem feita aos Açores em 1924.

Hoje deparei-me com isto:

"- A gente na vida deve jogar sempre pelo seguro. Eu cá não faço nada sem consultar primeiro minha mulher. Ouço sempre aquela santa. Noutro dia tinha de fazer um barco, estava irresoluto, fui ter com ela e perguntei-lhe: - Ó mulher, faço um barco ou uma canoa?
- Pois faz o que quiseres.
- Isso sei eu! Mas sempre quero saber a tua opinião.
- Eu dessas coisas não percebo nada.
- Mas responde ao que te pergunto: faço um barco ou uma canoa?
- Pois já que teimas, acho que deves fazer uma canoa.
- Fiz um barco - já sabe. Porque a gente deve consultar sempre as mulheres - para fazer o contrário do que elas dizem.

As Ilhas desconhecidas
Raúl Brandão
Quetzal (2017)

Comentário machista: Em 1924 os homens já eram muito inteligentes ...

quarta-feira, 25 de abril de 2018

25 de Abril

Em mais um aniversário, a actualidade de José Afonso, com a Utopia do álbum Como se fora seu filho, de 1983, mantém-se.

terça-feira, 17 de abril de 2018

Aula

O meu amigo VB fez-me chegar esta pérola, que interiorizei e me confrontou com a pergunta: será que consegui fazer sempre as coisas importantes? Tentar, tentei ...

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Livros (lidos ou em vias disso)

Tenho escritores de culto, dos quais procuro ler tudo o que escrevem.

São gostos, manias, vícios, curiosidades ou receio de este poder ser (ainda) melhor do que o anterior e eu o perder.

José Luís Peixoto é um desses. E aqui estou eu quase a terminar o seu último que, uma vez mais, não me desilude, antes me abre o apetite para o próximo.

"(...) Eu próprio, que sei mais do que fica escrito, tenho dúvidas imensas acerca de quem sou. Quanto mais tento conhecer-me, mais percebo o quanto falta para me conhecer. Quanto mais ilumino, mais consciência tenho das enormes distâncias que falta iluminar. (...)
(...) Porque escrevo?
Escrevo porque quero que os meus filhos saibam quem sou. Tenho esperança que estas palavras, misturadas com o que lhes mostro, sejam suficientes, sejam o máximo possível. Quero que me conheçam porque quero que se conheçam a si próprios.
Quando eu já não possuir palavras, espero que regressem a estas e lhes encontrem significados que, agora, são inacessíveis. Espero que estas palavras os abracem.
Escrever é a minha maneira de ser pai deles para sempre.(...)

O caminho imperfeito
Quetzal (2017)

sexta-feira, 30 de março de 2018

Bur(r)ocracia

Numa Repartição de Finanças:

Quem está a seguir?
Julgo ser eu ... tenho aqui a senha.
- Diga
- Bom dia
- Diga
- Há cerca de 6 meses cedi este bem (exibo a caderneta predial obtida na Net no próprio dia) e ainda se mantém em meu nome.
- Pagou o Imposto do Selo?
- Sim, claro.
- Aonde?
- Aqui

Volta as costas e dirige-se ao computador.

- Quem pagou o Imposto do Selo foi F...?
- Sim
Meia dúzia de letras / números digitados no teclado.
- Já está!
- Já agora, há aqui uma incorrecção: estão indicados 3 números do Registo Predial mas, tal como na matriz, os 3 prédios foram anexados e agora são apenas um ...
- Isso tem qu'ir à Conservatória.
- Não me parece ... isto diz respeito à matriz
- São eles que fazem 

Conservatória, retiro a senha, aguardo que me chamem e, no atendimento, um bom dia rasgado. Melhorámos, penso.

- Venho aqui por indicação das Finanças ... embora me pareça "um passeio à senhora da asneira". A descrição predial é agora uma só, como pode verificar. As Finanças dizem que a indicação do novo número na matriz também é feita aqui ...
Consulta o sistema informático. Baixinho, diz: "é sempre o mesmo".
- O prédio agora é só um, provém dos 3 anteriores como está aqui indicado. No registo está tudo bem e não temos mais nada a fazer.
- Obrigado e um bom dia

Nova ida à Repartição.

- Na Conservatória está tudo bem e dizem-me que não têm mais nada a fazer ...
- ??? (cara feia)
Dirige-se a um colega. Percebo "... tenta no computador a ver se dá".
- Já está corrigido. Agora tem de fazer um requerimento, acompanhado da certidão do registo predial, para comprovar a alteração
- Mas eu tenho aqui o código de acesso à certidão do registo. É só entrar na página da Predial Online e obtém-se de imediato
- Nós não podemos aceder
- Qualquer cidadão tem acesso e obtém as certidões que quiser, desde que tenha o código.
Vasculha uma pasta de arquivo, coloca-me à frente uma fotocópia com riscos e manchas e ordena:
- Tem de adaptar o texto e dizer o que é para fazer
- Desculpe mas eu não faço requerimento nenhum e muito menos nesse papel. Mando a certidão por mail assim que chegar a casa. Obrigado e um bom dia.

Voltei as costas e saí. De acordo com quem me acompanhou, parece que engoli várias vezes em seco, gaguejei e corei, muito, não de vergonha mas de raiva.
Ignorância ou imbecilidade?

sábado, 24 de março de 2018

Quotidiano

Na praça, hoje de manhã:

- Bom dia. Aqui tem a caixinha para o coelho, conforme combinámos.

- Ah! Ainda bem que veio cá hoje; não pode ser para sábado.

- ???

- Pois, tem de vir buscá-lo quinta ou sexta-feira.

- ???

- Sabe, temos que o matar de véspera e à Sexta-Feira Santa não fazemos mortes ...

- Está bem, venho na sexta de manhã.

- Pois, nós matamos na quinta e na sexta cá estará a caixinha com o bicho.

- Obrigada.

- Bom fim de semana para a senhora e obrigada.

Já devias saber que à Sexta-Feira Santa não há mortes ...

quarta-feira, 21 de março de 2018

Dia Mundial da Poesia

CANÇÃO DE EMBALAR

"Nada a fazer, minha rica. O menino dorme.
Tudo o mais acabou."
Mário de Sá-Carneiro

arranja-me bilhetes para o cinema mãe
quero ver a greta garbo no écran
descansar na ilusão daquele rosto frio
adormecer abraçado àquela imagem

arrenda-me uma casa na consolação
para passar férias com o livro do cesário
a melancolia da água mesmo à mão
para passar férias com a dor no coração

leva-me pão à boca mãe molhado em leite
pendura-me no varal da roupa branca
e para longe sopra este coração depressa ardido
depressa mãe sopra a cinza do meu peito

urgentemente peço que me acabes
que repitas o parto no sentido inverso
urgentemente peço que abras uma cova no teu corpo
para mim
e desce por favor a persiana traz-me gin

José Ricardo Nunes
Na linha divisória
Campo das Letras (2000)

segunda-feira, 19 de março de 2018

Palavras bonitas

(Para o meu pai, que faria hoje 96 anos)

PERSEVERANÇA

Abro o leque da sorte, e mostro o jogo.
Outro lance perdido!
Obras do mundo que eu não tenha erguido
Sobre o suor do corpo e da vontade,
Morrem-me assim nas mãos, num dolorido
Gesto de orgulho e de incapacidade.
Mas o fruto humilhante da falência
Tem um azedo gosto que me excita.
Se o destino se engana, ou se dormita
Na hora crucial do desafio,
Então é o mar que há-de encontrar no rio
O sal da terra em que não acredita.

Cântico do Homem
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1974)

sexta-feira, 2 de março de 2018

Mãe


Do lado de lá da ponte haverá flores bonitas ...
Se assim for, estarás a tratar do jardim, cuidando para que a primavera as floresça e traga cada dia mais encantos.
Sempre presente, apesar dos catorze anos que já lá vão.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Livros lidos (ou em vias disso)

(...) Só desviando a rota chegamos ao nosso destino.(...)

(...) ele sabia o que Cremilde fazia, ela sabia que ele sabia que ela sabia que ele sabia, e entre saberes e fazeres se comunicavam os dois. O silêncio marcava o respeito de Cremilde para com D. Aniceto; e em silêncio D. Aniceto aceitava as tisanas que a escrava lhe fazia na falta de médico na ilha.(...)

Maria Isabel Barreno
O Senhor das Ilhas
Caminho (1994)

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Netos

Faz hoje um ano deixei aqui um voto de grande confiança no futuro, registando o primeiro aniversário do meu neto mais novo.
Um ano volvido, o meu Miguel corre tudo, entende tudo, diz um não rotundo quando lhe parece que o querem obrigar a algo que não deseja, faz caretas de desagrado, olha de lado com um sorriso matreiro, enche a casa com a mãozita que nos chama para um desejo não alcançável sem ajuda.

"Fica a cepa a sonhar outra aventura ..." com a marcação distinta de ser sempre ele e a sua personalidade que, tudo o leva a crer, vai ser muito forte!

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Aprender ... sempre

Porque não pertenço à "multidão que, tendo caído no caldeirão, já sabe tudo de antemão", transcrevo, com a devida vénia, a admiração imensa e o respeito por quem sabe, a crónica de Miguel Esteves Cardoso no Público de ontem:

"Estamos todos a aprender a falar e a escrever português, excepto aquela abençoada multidão que, tendo caído no caldeirão, já sabe tudo de antemão. Sendo omnisciente, não precisa de dicionários ou de livros sobre língua portuguesa. Sendo jovem e despreocupada, basta-lhe a erudição monumental da Internet. Para quê esfoliar a pele dos dedos a folhear (ou, como eles dizem, a desfolhar) pesados cartapácios (eles dizem catrapázios), quando bastam duas carícias no teclado para esclarecer logo todas as dúvidas num dos magníficos dicionários digitais que até fazem o favor de validar os erros mais populares dos internautas?
Claro que já não se passa sem a Internet, mas é preciso cuidado. Já há um ditado e tudo: "Se queres aprender bom português, cinge-te ao Ciberdúvidas, ao Chove Chove e ao Hélder Guégués". 
Foi no excelentíssimo Chove Chove, que tanta coisa boa me tem ensinado que soube do Dicionário de Erros Frequentes da Língua de Manuel Monteiro, publicado em 2015. Li-o de uma assentada, chocado com a quantidade de erros que me acompanhou (ou acompanharam?) à minha formidável idade, entendendo-se este último adjectivo como sinónimo de assustadora.
Se eu mandasse neste país, ofereceria um exemplar desta obra-prima da língua portuguesa a todos os portugueses com mais de 8 anos. Nunca um livro divertiu e ensinou tanto. É devastadoramente útil e urgente. É uma apaixonante e inteligente declaração de guerra à ignorância, à preguiça, à complacência e à estupidez.
Precisamos todos dele."

A começar por mim ...

domingo, 7 de janeiro de 2018

Balanço 2017

Apenas como resquício do passado e para cumprir a tradição aproveitando os recursos informáticos, fica o registo dos livros lidos em 2017, sempre com a esperança de despertar o interesse dos meus mais novos para as leituras que, em cada tempo, considerei valerem a pena.

O ano de 2017 já lá vai! O Presidente Marcelo está quase recuperado da operação à hérnia e vetou o "arranjinho" dos partidos; o Trump discute o tamanho do botão com o Kim Jong e conclui que o dele é maior do que o do coreano; a Comissão Europeia vai (agora) investigar o papel (pardo) vendido pelo BES; o Banco Popular já morreu e decorrem esta semana as cerimónias do seu enterro; o mar continuará a bater na rocha e a lixar o mexilhão. 
Esqueçamos o que já lá vai, façamos votos para que o 2018 decorra sem sobressaltos de maior, que os olhos me continuem a permitir ler e que Portugal seja campeão do mundo na Rússia.




sábado, 6 de janeiro de 2018

Expresso


O "meu" Expresso faz hoje 45 anos e merece o destaque de um fiel leitor que, desde o primeiro número, repete um ritual todos os sábados que, nestes anos todos, não terá sido interrompido mais do que uma dezena de vezes.
Semanas melhores, outras nem tanto, o facto é que o Expresso conseguiu manter-me fiel à edição em papel e, desde há algum tempo, à digital diária.
Longa vida ao Expresso, com a qualidade e a liberdade que tem mantido até aqui.