domingo, 29 de dezembro de 2013

Balanço ou estatística

No final de cada ano é uso e costume fazerem-se os mais variados balanços, com gente de todas as especialidades a elencar o que de mais importante se passou no que está a terminar, dando lugar a um novo, no exacto momento em que, cumprindo a tradição, se comem as passas e se formulam os desejos.
As novas tecnologias permitem registos e análises, as mais diversas, proporcionando-nos evidências que, sem elas, dificilmente nos conseguiríamos lembrar. Contribuem para que os balanços sejam fiáveis e possíveis para qualquer tema ou acontecimento.
Tenho (quase) todos os meus livros numa base de dados (congeminada pelo meu filho, diga-se em abono da justiça), que me permite registar, para além do autor, do título, da imagem da capa, da edição, da colecção, o sítio onde está colocado, a data da compra e a data da leitura. 
Utilizando esse arquivo, posso fazer as mais variadas consultas e, por isso, ontem resolvi verificar quantos livros tinha lido em 2013. O "boneco" respondeu: 38
São muitos, são poucos, foram … milhões de palavras que passaram pelo crivo do meu cérebro, exprimindo ideias, relatando factos, contando histórias, evidenciando sentimentos. Ficarão guardadas nas gavetas da memória, à espreita de uma oportunidade de se exibirem e ganharem vida ou, o que é mais provável, a adormecerem num sono justo sem darem mais sinais de vida.
Um livro deixa sempre uma marca, maior ou menor, não importa. No conjunto deste ano, há vários que têm lugar mais destacado nas tais "gavetas" e não as deixam fechar. Um deles está ainda bem em cima do "móvel": As luzes de Leonor, de Maria Teresa Horta, mais de 1.000 páginas que acabei de ler em Maio e às quais voltarei um dia destes, para saborear.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Natal

NATAL CHIQUE


Percorro o dia, que esmorece
nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei um anjo
dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
e o efeito em casa saiu mal.

Valeu-me um príncipe esfarrapado
a quem dão coroas no meio disto,
um moço doente, desanimado…
Só esse pobre me pareceu Cristo.

Vitorino Nemésio

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

As voltas do mar




A "aberta" fechou!

No final da tarde de Domingo, foi possível chegar ao Gronho sem quase molhar as sapatilhas.

E agora?

Respondam os técnicos …

sábado, 14 de dezembro de 2013

Palavras bonitas

À BELEZA
Não tens corpo, nem pátria, nem família,
nem te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
o que vem e o que foi.

És a carne dos deuses,
o sorriso das pedras,
e a candura do instinto.
És aquele alimento
de quem, farto de pão, anda faminto.

És a graça da vida em toda a parte,
ou em arte,
ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
ou a moça do espelho, que depois de te ver se persuade.

És um verso perfeito
que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
que tem, antes de mestre, o aprendiz.

És a beleza, enfim! És o teu nome!
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
uma linha sem traço …
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
tudo repousa em paz no teu regaço!

Odes
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1977)

domingo, 8 de dezembro de 2013

Nelson Mandela

"Luto contra a dominação, branca ou negra. Bato-me por uma sociedade livre e democrática e estou disposto a morrer por esse ideal."

" Não há poder na Terra que possa impedir um povo determinado de conquistar a liberdade."

"Não se trata do que se pode fazer pela África mas sim do que se pode fazer com ela."

"Este Nobel da Paz (1993) é um tributo aos que lutaram contra o apharteid. Aceito-o em nome deles!.

Já foi tudo dito sobre a morte de Nelson Mandela, ocorrida na passada quinta-feira, dia 5, após 95 anos de uma vida dura e cheia.
Nasceu a 18 de Julho de 1918, esteve preso pelo regime abominável do apartheid da África do Sul desde 1963 a 1990, depois de ter sido condenado a prisão perpétua.
O Expresso desta semana dedica-lhe um caderno especial e exclusivo, que vale a pena ler e conservar, e onde várias pessoas escrevem sobre a maneira de ser, de pensar e sobre a sua vida, dedicada, toda a ela a um ideal de igualdade, de humanidade e de paz.

"(…) Infelizmente, Mandela não deixa seguidores. Nem em África nem noutros pontos do mundo. E é por isso que só uma coisa não se lhe perdoa: o facto de, através do seu exemplo, nos demonstrar todos os dias quão pouco inspiradores são a esmagadora maioria dos líderes que actualmente governam o mundo e como a mediocridade vai campeando um pouco por todo o lado nas elites dirigentes. E como seria diferente o mundo e infinitamente melhor se houvesse um Mandela em cada um dos cinco continentes.(…)"
Nicolau Santos (jornalista do Expresso)

"…) Sem Mandela, e sem a sua bondade, o seu sacrifício e a sua insubmissão, a África do Sul teria sido um território de extermínio depois do apharteid, depois de ter sido o da crueldade durante o apharteid. Sem a sua grandeza moral, intelectual, política, metafísica, não haveria África do Sul, nem esta nem outra. Seria mais um Estado falhado, com uma guerra civil que se arrastaria até à exaustão dos guerreiros, muitos anos e muitos cadáveres mais tarde.(…)"
Clara Ferreira Alves (jornalista do Expresso)

"Conheci Nelson Mandela no dia 7 de Maio de 1973. Na famosa prisão de Robben Island estavam 368 presos políticos - 33 dos quais cumpriam pena de prisão perpétua, a começar pelo próprio Mandela. Foi uma visita de quatro dias, a primeira que fiz à Africa do Sul na qualidade de delegado-geral da CVI para África.
(…) dirigi-me à secção B, a das celas individuais, onde estavam Mandela e outros 27 líderes do ANC.  Eram todas idênticas, com uma área de 2,5x2,2 metros e uma janela para o exterior, de vidro e grades. Não tinham cama mas uma simples esteira de sisal e outra de feltro e, no inverno, cinco cobertores por prisioneiro. Todos se queixavam de que a esteira não os isolava suficientemente do chão de betão.(…)
Jacques Moreillon (Delegado da Cruz Vermelha Internacional para África)

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...) Badini disse que as coisas mortas vão com a água, naturalmente, seguem a corrente do rio, é isso que fazem os paus, as pedras, as folhas, os cadáveres, todos são empurrados para a foz, todos eles, enquanto os sábios e os salmões procuram a nascente, as causas das coisas, e, assim, tudo o que contraria a corrente está vivo, e a educação também é isso, é ir contra tantas coisas, não nos deixarmos arrastar para não nos tornarmos um pau seco a boiar nas águas. (...)"

Afonso Cruz
Para onde vão os guarda-chuvas
Alfaguara (2013)

domingo, 24 de novembro de 2013

Estranho


A descrição matricial acima reproduzida é de um terreno situado no distrito de Santarém, inscrito no Serviço de Finanças em 1970 como "terra de pousio com 2 oliveiras e dois carvalhos estranhos".
Não há nada de estranho no facto de uma terra de pousio ter 2 oliveiras e 2 carvalhos, mas já é muito estranho que os carvalhos sejam estranhos e ainda mais a razão pela qual assim terão sido classificados.
Não sendo provável que exista ume espécie biológica de carvalhos estranhos, estranho é o facto de assim terem sido classificados, para a posteridade e para a fiscalidade, dois seres que habitam o distrito de Santarém, talvez contra a própria vontade ou a vontade dos seus vizinhos.
- Serão estranhos por terem vindo de outras paragens sem ninguém saber de onde e sem serem convidados? 
- Terão algum defeito visível que cause estranheza a quem olha? 
- Algum "maduro" por ali os plantou sem cuidar de falar com as autoridades competentes?
- Terão comportamentos esquisitos?
- Usarão roupagens diferentes?
- Darão bolotas quadradas?
Poder-se-ão admitir e conjecturar milhentas hipóteses, mas que é estranho existirem 2 carvalhos estranhos numa terra de pousio com 2 oliveiras normais, não há qualquer dúvida.
Não é estranho, é estranhíssimo ...

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Língua portuguesa

O desenvolvimento frenético que o mundo regista obriga a que todos estejamos atentos ao que se passa à nossa volta, na procura da actualização constante das vertentes profissional e/ou pessoal, sendo certo que, por maior que seja o esforço, o saber há-de ser sempre infinito.

A actualização desse "saber" está na ordem do dia e há especialistas que se dedicam à causa de "alma e coração", debitando a sua sapiência salpicada de "inglesismos" e com a ajuda do inevitável "powerpoint".

Eis senão quando "no melhor pano cai a nódoa" … e aquilo que parecia uma aula bem estudada e alicerçada num saber motivador, transporta a "conjectura" do país como um facto bem interessante de seguir na conjuntura da formação, conjecturando quantas vezes a "conjectura" irá estar presente no lugar da conjuntura, que primou pela ausência.

Contei várias!

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Recordando

Partiu hoje, após longo tempo de sofrimento, o meu amigo Zé Marques Paulo.
Companheiro de muitas lides, das noites de king aos rallys paper, das viagens pela Europa às experiências nas rádio "pirata", no futebol ou no vólei, nas histórias vividas e inventadas, ou nas recordações do Porto da sua meninice.
Amigo sempre preocupado com os outros, descuidando-se muitas vezes de si próprio, adorava os meus filhos e … "quem meus filhos beija, minha boca adoça".
De pensamento livre, a puxar para a anarquia, amante da Pátria, que venerava, dono de uma cultura invulgar, que não exibia.
Era … diferente!
Fico a dever-lhe muitos e bons momentos e guardá-lo-ei na memória como ele gostava: vivo, franco, amigo, alegre e … meio tonto!

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Quotidiano ou a falta de imaginação

Na passada quarta-feira, Paulo Portas debitou uma quantidade apreciável de palavras vazias de conteúdo, que deram a sensação de se estar perante uma "mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma" nas cem páginas (Marques Mendes apostou em 90 e falhou) que demoraram quase um ano a vir à luz e trouxeram a certeza de que, concluo eu, a reforma do Estado está tão perto de acontecer quanto a minha.
Ontem, como sempre, uma espreitadela apressada na Visão (a leitura vai ser no fim de semana) para ver/ler a crónica habitual de António Lobo Antunes - Um Dó Li Tá, uma delícia:

"(...) Existe um bando de meninos, a quem os pais vestiram casaco como para um baptizado ou um casamento. Claro que as crianças lhes acrescentaram um pin na lapela, porque é giro
- Eh pá embora usar um pin?
que representa a bandeira nacional como podia representar o Rato Mickey
- Embora pôr o Rato Mickey?
mas um deles lembrou-se do Senhor Scolari que convenceu os portugueses a encherem tudo de bandeiras, sugeriu
- Mete-se antes a bandeira como o Obama
e, por estarem a brincar às pessoas crescidas e as play-stations virem da América, resolveram-se pela bandeirinha e aí andam, todos contentes, que engraçado, a mandarem na gente
- Agora mandamos em vocês durante quatro anos, comem a sopa toda em lugar de verem os Simpsons.
No meio dos meninos há um tio idoso, manifestamente diminuído, que as famílias dos meninos pediram que levassem com eles, a fim de não passar o tempo a maçar as pessoas nos bancos, de modo que o tio idoso, também de pin
- Ponha que é curtido, tio
para ali anda a fazer patetices e a dizer asneiras acerca de Angola, que os meninos acham divertidas e os adultos, os tontos, idiotas. Que mal faz? Isto é tudo a fazer de conta.
Esta criançada é curiosa. Ensinaram-me que as pessoas não devem ser criticadas pelos nomes ou pelo aspecto físico mas os meninos exageram, e eu não sei se os nomes que usam são verdadeiros: existe um Aguiar Branco e um Poiares Maduro. Porque não juntar-lhes um Colares Tinto ou um Mateus Rosé? É que tenho a impressão de estar num jogo de índios e menos vinho não lhes fazia mal. (...)

Vale a pena ler a crónica completa mas, para isso, comprem a Visão.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A sopa dos pobres

Hoje observei, uma vez mais, a distribuição de alimentos que equipas de voluntários fazem diariamente em vários pontos de Lisboa.

Desta vez foi junto a Santa Apolónia que presenciei umas dezenas de pessoas, de idades várias, andrajosas ou razoavelmente vestidas, em fila ordeira, aguardando a sua vez de receber a embalagem de plástico com alguma coisa de comer, talvez, para muitos, a primeira e única refeição do dia.

No ritual do costume e após ter jantado à mesa, abri o computador para ver o correio virtual que, todos os dias, sem "carteiro a tocar sempre duas vezes", chega à minha caixa. Uma dessas "cartas", que o meu amigo M.V, me endereçou, trazia estas duas fotografias, que dispensam legenda ou comentário, pela eloquência que evidenciam.


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Livros (lidos ou em vias disso)

Acabei de o ler há pouco, mas antes de o fazer ocupar o lugar que lhe cabe, por direito próprio, na "biblioteca" cá de casa, não resisti a transcrever o final:

"(...) Não soube nada acerca do que foram contar ao Einar nem de como o consolaram. Estaria ele agarrado à caçadeira, ganhando coragem, medindo o plano quando, subitamente, não havia o que decidir. Percebi absolutamente que o amava. E levava dúvida nenhuma de ser amada. Teria a vida inteira para lidar com esse sentimento. Sabia que me perdoaria. Pensei. Quem não sabe perdoar, só sabe coisas pequenas."

A desumanização
Valter Hugo Mãe
Porto Editora (2013)

terça-feira, 8 de outubro de 2013

José Saramago

O Blog tem andado em estado vegetativo, em hibernação, em descanso, a ver onde chega a desfaçatez, a apreciar as voltas, reviravoltas e cambalhotas do mundo político, a deliciar-se com a nova dinâmica das autarquias, a apreciar os conselhos e as opiniões de Belém e a preparar-se para um novo ano, resignado, condenado à crise e aos ditames de quem, com muito sacrifício, vela por nós.
Hoje regressa apenas para assinalar que a atribuição do Nobel da Literatura a José Saramago foi há 15 anos e deixar aqui expresso, uma vez mais, o apreço por toda a obra do grande escritor e vincada a falta que faz o seu comentário certeiro, arguto e sem peias.

domingo, 22 de setembro de 2013

Leituras de fim de semana

EXPRESSO
Um sol enganador - Miguel Sousa Tavares


Em lugar de agregar municípios ou freguesias dos grandes centros urbanos, o Governo extingue freguesias do interior que, em muitos casos representam o último resquício da função social e política do Estado. Assistindo, sem nada fazer, ao contínuo despovoamento do país interior, fecha mais linhas férreas, tribunais, centros de saúde e escolas, invocando razões orçamentais e demográficas tornadas então inevitáveis. E, a troco de 600 milhões de euros, avança para nos tornar o único país do mundo sem correios públicos, dando aos felizes vencedores da privatização dos CTT uma licença bancária de bónus, que eles irão acrescentar às poupanças geradas com o encerramento de inúmeras estações de correios, gerindo um serviço público essencial à unidade territorial do país com uma irrebatível lógica de mercearia. Aos CTT, irá, em próximas oportunidades, acrescentar a TAP, as Águas e a Caixa, a parte rentável da CP e os Estaleiros de Viana (deliberadamente inviabilizados pelo senhor Ministro da Defesa). E a juntar ainda ao que já privatizou por completo: aeroportos, produção e distribuição de energia eléctrica. Privatiza-se o que dá dinheiro, mantém-se público e financiado por swaps e PPP o que perde dinheiro.
E enquanto assim desmantela o que demorou décadas ou séculos a construir, enquanto dá ordem de expulsão ao interior e entrega as terras abandonadas às celuloses e aos incêndios, que depois piedosamente lamenta, o "Governo de Portugal" (como eles gostam de ostentar nos pins das lapelas) trata de liquidar também qualquer veleidade de futuro, enquanto nação independente.(...)

A escola pública - valter hugo mãe
(...) Torna-se cada vez mais insuportável a notícia diária da paulatina destruição da escola em Portugal. O nosso país de pobres a aumentar está a assistir à sua lenta estupidificação. Tudo se prepara para que as gerações seguintes se bastem a trabalhos braçais, regressem talvez à lavoura, depois de tanta Europa nos ter pago para acabar com a agricultura, e se deixem governar cordeiramente, sem capacidade de contraditório, sem sequer autoestima para se considerarem incluídos na grande equação da cidadania e da escassa felicidade.
Tudo se prepara para que os nossos alunos aprendam mais e mais inglês pasra que se fitem na abstracção do imenso estrangeiro e partam. Nunca, como agora, se procurou tão avidamente produzir receita com as divisas dos emigrantes. Importa que todos saiam do país, produzam riqueza fora daqui e enviem o que puderem, para que seja o extra gratificante para a política de desmantelamento que cá dentro se opera. É muito fácil, num Portugal sempre desvitalizado, em que o povo foi menorizado durante décadas a fio de ditadura, levantar de novo o desapego e até a repulsa. Os jovens licenciados que hoje emigram fazem-no revoltados, sem vontade de respeitar uma país que claramente os rejeita. E um país tem de servir exactamente para o contrário disto. A verdadeira escola serve exactamente para o contrário disto.
Há uma euforia bizarra na recondução da escola pública ao terceiro mundo. As turmas outra vez enormes, notoriamente imprestáveis para garantir qualidade a cada um dos seus elementos, tornando o professor mais uma espécie de ama de luxo do que alguém a quem dão e exigem a oportunidade da instrução. A seguir assim, a escola pública servirá apenas como gigante ATL nacional. Em muitos casos, ela já é um ATL gigante, sem meios para mais do que tomar conta dos miúdos durante o período de trabalho dos pais.(...)

domingo, 15 de setembro de 2013

Palavras bonitas

AUSÊNCIA

Num deserto sem água
numa noite sem lua
num país sem nome
ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

Sophia de Mello Breyner Andresen
Mar Novo

sábado, 7 de setembro de 2013

Negócio

- Grande negócio!

A alegria era evidente e o entusiasmo contagiante. O sorriso de "orelha a orelha" denunciava que algo de muito importante tinha acontecido naquele dia. Era sexta-feira e, como habitualmente, fazia-se a reunião de balanço da semana e de preparação da seguinte.

Era o tempo em que a debulha do trigo se fazia numa eira de circunstância, normalmente instalada numa terra de pousio cedida por um agricultor da região.

Já se ouviam rumores de que, na América, o trigo era colhido e de imediato debulhado pelas grandes ceifeiras debulhadoras. Dizia-se que, com apenas um homem e em um dia, se ceifava mais na América do que em Portugal na época toda. As máquinas ceifavam, debulhavam, ensacavam e enrolavam a palha, tudo automático e sem outra intervenção que não a do condutor.

Dizia-se ... mas, por cá, continuava-se a ter grandes ranchos de homens e mulheres, que segavam o trigo e o atavam em rolheiros, que as galeras, as carroças e os poucos tractores transportavam para as eiras. Nesse ano, a debulhadora estava instalada na Foz, ali a dois passos de uma das quintas, onde se tinha semeado bastante e a colheita parecia ir ser boa. Faziam-se palpites e acreditava-se não ter menos de quinze sementes.

A máquina era enorme, deslocava-se por si, de forma muito vagarosa, levando acoplada a enfardadeira.

Os atados do trigo eram colocados em grandes medas e o dia da debulha marcado pelo encarregado, de acordo com a ordem de chegada e com o "peso" do agricultor. O custo do trabalho era pago em cereal, com retenção da maquia ajustada, logo no início da debulha.

Na eira, a azáfama era enorme e o pó insuportável. O trigo era ensacado em sacas de serapilheira, atadas com o barbante que o homem a quem competia esse trabalho tinha cortado previamente do rolo e que lhe enchia os bolsos. Da enfardadeira, colocada na traseira da debulhadora, saía o fardo de palha, um paralelepípedo atado com três arames.

- Vendi 1.000 fardos de palha a 4$50 cada! E na eira! O homem vai carregá-los amanhã e já me deu o cheque!

Cheques, na época, circulavam pouco e não eram usados habitualmente em negócios de ocasião, como este tinha sido. Só aos clientes habituais se autorizava este luxo.

Ficou o cheque no cofre, para no sábado, de manhã, se ir "rebater" ao Banco Lisboa & Açores. Na ida semanal ao Banco, levavam-se todos os cheques recebidos na semana e trocavam-se pelo dinheiro necessário para pagar as jornas, depositando-se a diferença na conta. Se a receita da semana não chegava, o patrão, na reunião da sexta-feira, entregava um cheque, para reforço da caixa.

A pasta transportava o dinheiro necessário, bem trocado em notas e moedas, para ser fácil pagar a cada um o (pouco) salário que lhe cabia na semana, de acordo com as presenças anotadas nas folhas de férias, até sexta-feira, e completadas no sábado, antes de se proceder ao pagamento. 

- Esta semana tem cinco dias e um quartel!
- Na segunda-feira fui ao enterro dum tio ...

A lista do desdobramento da verba era entregue em conjunto com os cheques, e o Sr. M. ia ao interior do banco e voltava com tudo muito bem organizado, as moedas em rolinhos, as notas em macetes.

Na semana seguinte, a entrada no banco teve uma saudação especial.

- Tenho um presente para ti!
- ??

- Um cheque devolvido por falta de "chapéu".

Nunca tinha acontecido, mas a surpresa não foi grande ao confirmar que era o cheque da palha. Tínhamos feito um grande negócio na venda. O preço e as condições tinham sido extraordinárias. Só nos faltou receber o dinheiro ... mas isso foi apenas um pequeno pormenor.

Férias e mobilidade

Exactamente um mês de férias teve o Blog.
Também tem direito, coitado, sempre aqui fechado, sem sair do pequeno écran, sem ver o mar, sentir a força das ondas, o calor do sol, o vento da Foz. 
Espero que se tenha divertido e descansado!
O "escritor" já voltou ao ritmo normal, deitando-se quase "com as galinhas" e levantando-se ao "cantar do galo". 
No regresso, descobri que os meus netos decerto já poderão inscrever-se na licenciatura em presidências de câmara e que terão grandes possibilidades de correr o país todo, concorrendo, em cada quatro anos, a um concelho diferente.
Assim vai a mobilidade ...

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Livros (lidos ou em vias disso)

"(...)A escola é uma casa onde nos sentamos e a professora fala por nós. Na escola as palavras da professora chegam ao mesmo tempo aos ouvidos de todos e os que estão na sala com a professora aprendem as mesmas coisas. Se eu quiser dizer ao Roberto qual é o maior rio do mundo, ele já sabe porque aprendemos juntos, de igual modo para os planetas e as montanhas e os animais da savana, por isso no recreio todos correm e fazem jogos ou ficam calados a comer pão com geleia.

Na escola aprende-se a ler mas não há livros a sério. Há um cartaz grande com as letras lá impressas e vão-se aprendendo uma a uma, depois duas a duas, depois as palavras pequenas e as maiores, tudo sem livros para ler. Já começámos a aprender algumas frases, mas a professora não nos disse de que histórias vêm.

Ontem repetimos várias vezes que "O Pedro pegou na pá do papá", mas não nos foi dito para que queria o Pedro a pá nem se o acto foi feito à revelia do pai ou com o seu consentimento. Em resposta às minhas perguntas, a professora ameaçou-me com castigos se eu não ficasse calado e quieto. Todos os meus colegas se riram e o Rudolf disse que o Pedro pegou na pá para me dar com ela na cabeça.

Acredito que aprenderia mais com a minha mãe do que na escola, mas ela diz-me que devo fazer o que fazem os outros meninos e saber as coisas que eles sabem. Eu perguntei-lhe até quando tem de ser assim, até quando tenho de saber o que os outros sabem e porque é que os livros têm histórias de outras avós. A minha mãe diz-me que os livros são para eu saber o que quiser para dentro, que posso lê-los e conversar com eles sobre todas as coisas de que não falo com os meus colegas.

Amanhã não há escola e sinto-me aliviado. Vou procurar livros complicados onde o Pedro pegue na pá para fazer um buraco enorme e enfiar lá a professora e o Rudolf. Só os meninos sem mãe deveriam ir à escola e, em vez da professora, deveria haver livros pelas paredes para cada um aprender as suas coisas. Assim eu podia chegar ao Roberto e contar-lhe do homem sozinho na ilha e ele falava-me de uma viagem até à lua numa bala de canhão. Não sei se vou conseguir ler os livros todos e gostava que alguém me contasse alguns.

O Roberto disse-me ontem que os livros não prestam, eu perguntei-lhe se tinha lido algum e ele disse-me que não porque não prestam. Na casa dele não há livros porque o pai e a mãe não sabem ler e por isso não precisam deles.(...)"

No meu peito não cabem pássaros
Nuno Camarneiro
D. Quixote (2011)

domingo, 4 de agosto de 2013

Palavras bonitas



PRESSÁGIO                                                              
                                 
Há um presságio de júbilo                                           
à sua beira, um tecido tecendo                                     
a trama do contrário                                                     

Uma réstia de mar                                                        
na sua esteira, uma espécie
de ardil em seu afago                                                                                            

Um modo                                                                     
Um todo                                                                       
Uma maneira                                                                

De misturar
o doce
com o amargo

ETERNIDADE

Regressava sempre
das viagens
como se voasse

A perder-se no dentro
de si mesma. Em busca
do mundo e da verdade

Firme, sedenta e libertária
na teima de encontrar a eternidade.

Maria Teresa Horta
Poemas para Leonor

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Foz do Arelho

A Foz não pára de nos surpreender, mesmo quando estamos convencidos que conhecemos bem todos os seus recantos.
Para além da surpresa diária que nos reserva quando, de manhã, verificamos que o mar não pára nem sequer para dormitar um pouco, trabalhando com afinco no transporte da areia de um para outro lado, deixando um monte onde ontem estava planura, que faz as delícias dos amantes do deslize na areia com as carícias das ondas, tapando rochas que antes tinham os percebes na montra, empurrando a aberta um pouco mais para o Gronho, cobrindo ou desnudando o pedaço de barco que, em tempos, sinalizava o centro da ligação com o mar (hoje fomos lá pôr o pé, sem qualquer dificuldade).
Hoje o passeio matinal às rochas revelou mais uma obra de arte, a juntar à que, no ano passado, se fez referência aqui.
Um novo "cão" surgiu, bem verdinho das algas e quase perfeito:


Amanhã não há Foz e domingo também não deverá haver.
Na segunda, volto ... para ser surpreendido!

sábado, 20 de julho de 2013

Os meus netos

Num espaço inferior a um mês, os meus três netos festejam os respectivos aniversários.
Começa o caçula, Duarte, que, fazendo jus à ascendência nortenha, nasceu no dia de S. João e comemorou o seu primeiro aniversário no dia 24 de Junho passado.
Corre tudo, gatinhando e andando pela mão, responde a qualquer chamada e está sempre disponível para comer. Já fez muitos quilómetros pelo ar e, daqui a alguns dias, voltará a voar, desta vez para uma permanência mais prolongada na capital da cultura clássica, acompanhando os pais em mais um ano de Grécia. 
É especialista no Skype e isso vai servir para encurtar a distância, não para a remediar.
A seguir, a 5 de Julho, faz a festa o mais velho, que completou 7 anos e já está um homem.
Compenetrado, responsável, o Gil sorri quando lhe digo que para o ano já fará a barba, perdoando-me a insensatez ou, talvez melhor, a parvoíce. 
Hoje foi a vez do do meio, que completou 2 anos, malandrecos, cheios de vivacidade mas "niquentos" com a comida e sempre com o "não" bem vincado na ponta da língua.
Já tem um grande (para a idade) vocabulário, mas não corrige a forma como começou a dizer o seu nome. Mantém o "Caco" em vez de Vasco, sendo claro que o faz de propósito e não por ter dificuldade na palavra.
Os três são tão diferentes entre si que não se admitem comparações.
E dão-se bem, manos e primo.
E eu a vê-los crescer ... a babar-me a escrever e a pensar como eles se irão rir se, daqui a uns anos, perderem algum tempo a ler isto. 

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Palavras bonitas

(...) Além disso nós éramos a "família do Porto", gente sem precisão de gastar o corpo nos trabalhos do campo, ainda por cima com autoridade e paga pelo Estado. Éramos também a sua ligação com o sonho. E o sonho era tudo o que ficava para lá da serra de Bornes: as cidades que nunca veriam, as paisagens viçosas das províncias férteis da beira-mar, o oceano que lhes dizíamos ser imenso.
      - Imenso, como o céu? - perguntavam eles.
      - Não. Diferente - respondíamos nós.
Carinhosos, sorriam a perdoar-nos a tolice. Se não era como o céu, como poderia ser imenso?

Ernestina
J. Rentes de Carvalho

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Crise

Afinal, parece que acabou este mas vai surgir outro, bem melhor, mas feito do mesmo material.
A decisão irrevogável foi revogada e Portas fechou a de saída, sem ruído e com toda a precaução, para que ninguém se assustasse.

De fininho, tudo indica que vai voltar a entrar, para bem do país e dos portugueses e para descanso de Cavaco. Os portugueses verificaram que o naufrágio foi evitado por quem abriu as comportas, o que demonstra saber e competência e nos enche de satisfação.
Tudo indica que o divórcio não se consumará e que a birra passará com uma conversa esclarecedora, no conforto do sofá e com a benção de Belém.

Na próxima semana teremos um novo Governo, cheio de força, vontade e saber para, desta vez, resolver todos os problemas com soluções novas, imaginativas e audazes.
Esperemos que, depois das férias e das autárquicas, os meninos não se zanguem de novo e forcem as eleições que agora rejeitam.

Razão tem o Jorge Jesus:
- Se fossem treinadores de futebol, há muito que tinham saído de cena e nem treinavam uma equipa dos distritais.