domingo, 30 de dezembro de 2012

2012 / 2013

O ano de 2012 está de abalada e não voltará. 
Não conseguiu as equivalências necessárias à licenciatura, não colou cartazes, não obteve qualquer diploma e, porque foi negligente e incompetente, não conseguiu emprego. Não tendo trabalho, também não tem direito ao subsídio de desemprego. Ainda pensou recorrer ao RSI mas desistiu, por não conseguir provar a sua indigência.
A decisão de partir é irreversível e foi tomada depois de muito ponderar, durante 366 dias, nos quais se viu vilipendiado, injuriado, enxovalhado, culpado, condenado, sem qualquer desculpa ou remissão.
Para que o trono não fique vazio, à meia-noite de 31 de Dezembro de 2012 surgirá o ano de 2013, legitimado pelo direito consuetudinário que garante esta substituição desde que Cristo nasceu.
Por cá, continuaremos na mesma, à espera de Godot, perdão, de Cavaco, de Seguro, de Barroso, de Dragui ou de Merkel, penitenciando-nos diariamente pelos erros que cometemos, por termos vivido acima das nossas possibilidades, termos adquirido, em transacção particular, umas acções do BPN que permitiram uma vivendita nos Algarves, termos contraído uns financiamentos no mesmo Banco que, em resultado da crise, agora não conseguimos cumprir, termos negociado com marroquinos, passado férias em Cabo Verde e fundarmos por lá um Banco fantasma, enfim o povinho viveu "à grande e à francesa" e agora não quer suportar os castigos que aqueles que sempre nos avisaram e nos deram bons exemplos, são forçados a impor-nos.
Valha-nos isso: continuamos a ter gente disponível para, com sacrifício, tomar conta de nós e aconselhar-nos para que sejamos bem comportados, atentos e obrigados. Falta-nos o "A Bem da Nação" mas sobra-nos o Facebook.
Cumprindo o ritual, BOM ANO para todos e, quando estiverem deprimidos ou cansados dos castigos, leiam e ouçam Ricardo Araújo Pereira, aqui, aqui e em todo o lado onde for possível. Não há muito disto!!!

sábado, 15 de dezembro de 2012

A URBANA FOME

O BICHO

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem
(Manuel Bandeira - Rio - 25-2-1947)

A situação detonadora deste poema de Manuel Bandeira tornou-se tão banal que hoje nos deixa quase indiferentes. Ver gente ir buscar restos de comida aos caixotes do lixo, numa cidade como o Rio, é, de facto, trivial. Mas não só no Rio, também aqui em Lisboa. Para comer ou procurar seja o que for que possa trocar-se por algumas moedas, é comum topar-se com gente de nariz mergulhado em caixotes ou lixeiras. Uma certa, furtivamente. Deve ser gente principiante nessa lida. Outra, perfeitamente indiferente a quem passa.
Este é um dos aspectos mais cruéis que as chamadas grandes urbes nos patenteiam. Foi para isto que construímos (como gostamos de dizer) uma civilização de conforto? Já em certos restaurantes é corrente ver pessoas meterem em saquinhos o que não comeram. Se peixe, "é para o gato"; se carne, "é para o cão". Ora, desculpas. E o sorriso irónico dos donos das tascas revela que nem valia a pena os necessitados ou "poupados" desculparem-se assim. É mas é para as barriguinhas deles. Osso, ferve-se e dá sopa; restos, sanduíches ou qualquer outra maneira de entreter a fome. Entretanto, há pessoas que desviam os olhos e dizem "que horror!" quando, na TV, aparecem meninos pretos, de grandes barrigas, esqueleto a romper sob a pele, a inevitável cobertura de moscas que se passeiam pelos seus misérrimos corpitos. Realmente é um horror, mas, atenção, até a ver o horror as pessoas se habituam. A fome-em-imagens é como a guerra-em-imagens. Sem querer, familiarizamo-nos com ela. E haverá quem tenha estômago para tirar disso uma estética de horror. Há gente para tudo neste tresloucado mundo, até para achar que "a guerra tem uma certa beleza".
A fome nas grandes cidades - para não falar agora da fome nos campos - escancara-se ou rebuça-se, mas é sempre, e com maiúsculas,  A FOME.
Existe uma teoria que diz que a fome é um problema técnico, mas, como alguém disse, na prática a teoria é outra. Eu acredito (e nem era preciso que eu acreditasse) que a fome é, antes de tudo, um problema político. E desta convicção ninguém me tira enquanto me restar alguma capacidade de compreensão do mundo onde estou inserido. Numa sociedade onde podem coexistir o supérfluo e a falta do essencial, algo se encontra politicamente errado.
- Anda jantar, filho, que o osso está fervido!
Acreditem ou não acreditem, gostem ou não gostem, foi esta a fala que eu ouvi, há dias, no noctambular por um dos bairros mais pobres desta nossa sempre linda Lisboa.
Trinta e sete anos decorridos sobre o poema de Bandeira, que, hoje, esteticamente nos delicia, as fome continua negra, cruel e, com certeza, mais universal que antes. Que grande criminoso que é o homem!, diria um pregador qualquer. Eu não vou tão longe, nem tão abstracto. Penso, apenas, que o homem ainda não se libertou.
Alexandre O'Neill
Uma coisa em forma de assim
Editorial Presença, 1985

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Açores

Numa altura em que a maior parte das pessoas carrega uma depressão do tamanho do Atlântico, vale sempre a pena realçar a beleza dos Açores e deixar registado o humor dos açorianos.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Palavras bonitas

PERENIDADE
Nada no mundo se repete.
Nenhuma hora é igual à que passou.
Cada fruto que vem cria e promete
uma doçura que ninguém provou.
Mas a vida deseja
em cada recomeço o mesmo fim.
E a borboleta, mal desperta, adeja
pelas ruas floridas do jardim.
Homem novo que vens, olha a beleza!
Olha a graça que o teu instinto pede.
Tira da natureza
o luxo eterno que ela te concede.

Libertação
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1978)

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Sopa de cardos

Baixava-se e, com rapidez, cortava uma folha, que escondia no regaço, por debaixo do avental. Percebia-se que não estava à vontade. Não podia ser receio do dono da terra, uma vez que o terreno era baldio, pertença de todos e de ninguém, e não tinha qualquer aproveitamento. 

Não havia dúvidas: o que a constrangia era o acto em si, o medo de ser vista. No íntimo, fazia algo que não estava certo, fugia ao padrão, era passível de crítica, tinha vergonha.

Fingindo a distracção própria dos garotos, que todos percebem ser artificial, fui-me aproximando. As felosas saltitavam nas figueiras e os pintassilgos, em coro com os rouxinóis, chilreavam nos salgueiros do riacho. O fingimento obrigava-me a olhar a passarada, tentando que a curiosidade fosse satisfeita sem que parecesse ser esse o único interesse da ronda.

Apanhava cardos. Escolhia as folhas maiores, tirava-lhes a nervura central e escondia-as de imediato.

Não resisti.

- Para que quer os cardos?

- Para a sopa, mas não digas a ninguém.

Sabia que se fazia sopa de feijão, de hortaliça. de grão, de nabos, até de abóbora, mas de cardos?!

- Tirando os picos, fica quase como couve. De manhã apanhei caracóis, grandes, vou assá-los. Com a sopa, ficaremos todos bem ceados.

Já haverá por aí quem tenha voltado à sopa de cardos?

Lembrei-me agora: há anos que não vejo cardos daqueles.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Visitas

No próximo dia 12 Portugal recebe a visita, ilustre, daquela senhora alemã que usa casacos parecidos com os meus, embora bem mais feios.
É um momento importante para o nosso país, havendo a lamentar apenas que a estadia seja tão curta, trazendo, seguramente, enormes transtornos à senhora. 
Estando 6 horas em Portugal, de entre as formalidades do aeroporto, as apresentações às autoridades, a visita à Auto Europa, as conversas com o PR (vai ensinar-lhe como se comunica no Facebook) e com o  PC (Passos Coelho, que lhe ministrará uma pequena aula de canto), sobrará muito pouco tempo para a senhora ir ao WC fazer um pequeno xixi, se disso tiver necessidade. O cócó nem faz parte da agenda, ficando a vontade guardada para o fazer a bom recato na sua terra, talvez numa sanita portuguesa.
A vida de chanceler deve ser muito dura e a capacidade de síntese exigida para executar esse mister inimaginável. Ainda pensei em convidá-la para um cházinho em minha casa, mas reconheço que nem tempo teria para lhe abrir a porta.
Nota final: Espera-se que o povo português compreenda que a senhora tem uma vida muito ocupada e não atrapalhe a visita com manifestações. Saibamos receber quem nos quer bem ...

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Reflexão

O blog é, tem sido ou pretendido ser uma catarse, o diário de adolescente que nunca escrevi, um repositório de estórias, uma visão do quotidiano, a expressão de sentimentos, uma gaveta de memória, a manifestação de opinião livre, sem preconceitos nem vassalagem, sem pretensiosismo de qualquer espécie nem ambição de leitores, elogios ou críticas. 
Discreto, pacato, por vezes reflexivo, outras impulsivo, à imagem do seu autor. Por aqui têm passado os temas que, em cada momento, me marcaram por qualquer motivo e me deram vontade de registar, aproveitando este arquivo monumental, ordenado e espaçoso que, sem grande trabalho, esta geringonça permite.
É assim que quero continuar, para me surpreender quando percorro os cantinhos da gaveta e descubro o que entendia em tempos idos, no que reparei, onde me levou o sentimento.
Se um dia os meus netos vierem a passear por este arquivo, gostaria que se sentissem tentados a vasculhar o que, nessa altura, já terá desaparecido na voragem do esquecimento.
Acabei há dias o melhor livro de Lobo Antunes, a que já fiz referência aqui. O meu carácter impulsivo acha sempre que o último livro deste autor é o melhor, mas este é, sem qualquer dúvida, um grande livro! Em três dias, as inúmeras vozes que nele se ouvem caminham por situações da vida, numa beleza de escrita onde cada palavra é aquela e não podia ser outra, onde cada imagem é mais bela do que a anterior, onde cada descrição só ficava perfeita com aqueles pormenores, onde cada um diz o que deve no momento certo, mesmo que a voz seja a do irmão surdo da professora angustiada com as complicações da vida, que decide juntar-se ao irmão, no mesmo mar onde ele mergulhou e a cabra caiu, junto à casa de praia onde não se passava o muro para brincar, por do lado de lá morar gentinha. Deve dar muito trabalho escrever assim!
A convalescença do corte também tem algumas vantagens e esta é uma delas: tem-me permitido ler (muito) quando quero e como quero.
Agora estou na fase das novidades: depois de Lobo Antunes (Não é meia noite quem quer), já vai avançado o Cafuné de Mário Zambujal, mais leve que o anterior, onde, com prosa deliciosa, se contam as aventuras, desventuras, sonhos e realidades de um Rodrigo Favinhas Mendes, que viveu em Lisboa por alturas das invasões francesas. Seguir-se-á Mario de Carvalho (O Varandim), Rui Cardoso Martins (Se fosse fácil era para os outros) e Bruno Margo (Sandokan & Bakunine). Gosto variado, prosas diferentes, leitura diversa.
Nos intervalos, as caminhadas, a crise, o orçamento, o Gaspar, o Portas e o Coelho, que não devem ter tempo para ler, tão afadigados que estão em obedecer àqueles funcionários de segunda, que ditam as regras impostas por aquela senhora alemã, cujo nome não me ocorre, mas que usa casaquitos parecidos com os meus, porém bem mais feios ...

domingo, 21 de outubro de 2012

Não há bem que sempre dure ...

António Lobo Antunes na Visão de 18.10.2012:

"O meu trabalho está praticamente terminado. Escrevi os livros que queria, da maneira como queria, dizendo o que queria: não altero uma linha ao que fiz e, se me dessem mais cem anos de vida em troca deles, não aceitava. Era exactamente isto que ambicionava fazer. Há uns dez dias acabei o último. Se tiver tempo, e embora a obra esteja redonda (sempre esteve na minha cabeça deixar a obra redonda) é possível, seria possível acrescentar uma espécie de post-scriptum. Não sei se vou fazê-lo. Sai um livro em 2012, para o ano uma colecção destes textozitos, em 2014 o que agora terminei e uma última colecção destas prosinhas e acabou-se (...)"

Como sempre e em todas as circunstâncias, arrepia e, ao mesmo tempo, anseia-se pelo que virá a seguir, agora mais ainda sabendo-se que serão os últimos. Enquanto se aguarda pelo romance agora acabado, um pequeno excerto do recém publicado "Não é meia noite quem quer". 
Em "meia dúzia de linhas", a descrição exaustiva da angústia, da separação, do trabalho, da doença, das relações familiares, da vida. 

"(...) Gostei de ti logo no primeiro minuto só que não sabia o que fazer desde que o meu marido me trocou por, desde que o meu marido se foi embora, eu estava morta, percebes, morta, tudo defunto em mim, quando a requisição no Ministério acabou pensei, sem tristeza nem alegria, porque cá dentro nem tristeza nem alegria, indiferença, lá vou ter que suportar aulas de novo, criaturas à minha frente que não se darão ao trabalho de ouvir o que digo e o que posso dizer que lhes interesse, vão à escola porque têm que ir à escola, não escutam, não aprendem, não sabem falar quanto mais escrever, cochichos, empurrões e eu sozinha diante deles como sozinha em casa, nem os via, palavra, debitava a matéria enquanto assuntos sem relação com o trabalho e sem relação entre si apareciam e desapareciam à medida que a minha boca continuava a mover-se, a factura do gás, por exemplo, de que deixei passar o prazo e agora tenho que ir à companhia e aguentar horas na fila antes que me fechem o contador, um dente lá para trás a aborrecer-me, a minha madrasta, há muitos anos, foste tu que partiste o bambi e foi o braço, sem querer, que o expulsou da cómoda, o bambi da época da minha mãe e eu tão aflita meu Deus, obrigando-a a agonizar outra vez, para além do bambi pouco restava dela, a minha madrasta expulsou o que lhe pertencia, o meu pai calado e eu chorando de zanga, não de pena, no quarto, talvez pelo hábito de a ter ali sem conversar com ela, nunca conversei com ela, isto é a minha mãe não conversava comigo, observava a rua da varanda, tão magra do pâncreas, antes do pâncreas palavra alguma também, a única palavra de que me recordo era come e eu de boca cheia, esquecida de engolir, (...)"

 Uma prosa brilhantemente simples e simplesmente brilhante.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Crise

Pálido, cabisbaixo. soturno, triste, pensativo, meditabundo, colérico, zangado, o país levanta-se todos os dias com pior aspecto e, para quem nada percebe de ciências ocultas, definha a olhos vistos, caminhando inexoravelmente para o desconhecido.
Os "médicos" que o tratam são autoridades nas várias especialidades e garantem que a terapêutica é a adequada para que se atinjam os objectivos propostos. Outros "médicos", muitos dos quais com experiência "hospitalar" que agora não exercem, falam em septicemia, morte por emagrecimento exagerado, destruição de células, risco de eliminação do doente antes da cura produzir efeitos, diagnósticos estes que os residentes rejeitam, não admitindo discussão sobre alternativas a um caminho sem rumo.
O presidente do "hospital" continua nos jardins de Belém a ouvir os passarinhos. Conhecerá ele a história do burro do espanhol?
Conte-se, para que conste e sirva de alerta:
O espanhol tinha um burro que comia de forma desalmada, obrigando-o a gastar a quase totalidade dos parcos rendimentos que a sua actividade de almocrevaria lhe proporcionava. Conhecendo a máxima de que somos todos animais de hábitos e que estes fazem o monge, meteu-se na cabeça do espanhol que o burro, sendo asno, não tinha necessidade de comer. Vai daí, deixou de lhe dar o penso e de lhe permitir o pasto pelos campos. O burro começou a perder a força e os seus ossos acentuavam cada vez mais os ângulos do corpo.
- Vai habituar-se, ou eu não me chame Gaspon! A receita é boa, o burro é burro, os custos diminuem, tudo bate certo.
Um dia o burro apareceu morto.
Conclusão do espanhol:
- Que pena! Logo agora que já se estava habituando ...

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Palavras bonitas ... adequadas ao momento

ESTA GENTE

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo.

Sophia de Mello Breyner Andresen
Geografia - Procelária (1967)

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Crise

Casaram-se há pouco mais de um ano, após um noivado sufragado pela maioria e com o apoio de muita gente que entendia ter o casal todas as condições para gerir a habitação.

Os noivos, por seu lado, apregoaram aos sete ventos que há muito vinham estudando as matérias da vida em comum, e que se encontravam preparadíssimos para dar os passos necessários à abertura das portas, conhecendo todos os cantos da casa e todos os segredos da boa governação da mesma.

Com portas bem abertas e passos na direcção certa, haveria coelho para todos, sem necessidade de pedir mais ingredientes aos comensais.

Com o espanto de muitos e a confirmação do pensamento de alguns, afinal o namoro não tinha proporcionado um suficiente conhecimento mútuo, a vivenda era demasiado grande e a experiência que ditava certezas não passava de balão cheio de nada, numa mão de coisa nenhuma.

O divórcio está em marcha!

Já não dormem na mesma cama, conversam apenas através dos representantes, sentam-se à mesma mesa mas cada um escolhe a sua própria ementa ...

O país já fala abertamente no caso e os amigos mais próximos já o dão como irreversível.

O juiz paira no seu gabinete, aguardando que o casal chegue a acordo e evite o litigioso, mais caro e mais trabalhoso.

P.S. 1 - A semelhança entre o relato e as relações PSD/CDS não é pura coincidência.

P.S. 2 - A bandeira nacional foi içada ao contrário nas cerimónias do 5 de Outubro e houve dois "incidentes" bem reveladores do "estado" da Nação, numa cerimónia à porta fechada, com mais polícias a guardar que entidades a participar.

domingo, 30 de setembro de 2012

Livros (lidos ou em vias disso)

(...) Se fosse rei por uma semana, afianço-lhes que mondava Portugal. Uma fogueira em cada oiteiro para os ministros, os juízes, os escrivães e os doutores de má morte. Para estes decretava ainda cova bem funda, com obrigação de cada homem honrado lhes pôr matacão em cima. Uma choldra de ladrões! Imaginem Vossorias que um pobre já nem uma bestinha pode ter! Muito tempo conservei aquele cavalito fouveiro - lembram-se? - para me ajudar a espairecer saudades dos tempos em que corria de almocreve Ceca e Meca e olivais de Santarém. Vai senão quando, António Malhadas, salta de lá com nove tostões de sumptuária. Irra, novecentos réis por um cavalicoque, um chincaravelho que não valia, a bem dizer, os guizos dum gato! Raios partam o Governo mailos governados, raios partam tanto tributo com que a gente de bem tem de ustir para andar aí meia dúzia de figurões, de costa direita, mais farófias que pitos calçudos! Raios partam! O governo é um corpo da guarda que nos defende ou é a quadrilha do olho vivo que não faz senão roubar? Quem lhe encomenda o sermão?!(...)

O Malhadinhas
Aquilino Ribeiro
Bertrand (2008)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Dias ... de crise

A perna presa mantém-me preso ... , em casa, a procurar que o descanso diminua as dores, que o calendário se mexa e que o "dia do corte" chegue depressa.
Será a 10 de Outubro que irei aconchegar-me, não nos braços de Morfeu, mas juntinho ao Santo António que dá nome à clínica onde já tenho hospedaria reservada.
"Vai ser fácil, sexta-feira já almoça em casa". 
Razão tem o meu amigo Z.F.:"Pimenta no do parceiro é refresco!".
Valha a leitura. Já lhes perdi a conta. Tenho lido (e relido) muito ... e bom!
Novo e velho, conhecido ou virgem, nacional ou estrangeiro.
Acabei há pouco "O Rebate", de J. Rentes de Carvalho: um "fresco", extraordinariamente bem escrito, em 1971(?), e um retrato do Portugal da "outra senhora", que alguns parecem apostados em ressuscitar.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Crise

Recado para o país, surgido das imediações do Palácio de Belém, na noite em que o Conselho de Estado está reunido para aconselhar o Presidente da República.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Data

Um papel sem data não vale nada ...

Jovem escriturário numa grande (à época) casa agrícola da região oeste, marquei no cartório notarial a escritura de venda de uma pequena courela que, sendo da casa, se encontrava encravada entre dois talhos que lhe não pertenciam, não tendo qualquer hipótese de exploração com um mínimo de rentabilidade.

No dia aprazado para o "solene" acto e de acordo com as indicações que tinha, deixei um recado, em papel grande e com letra de imprensa, na mesa que a isso estava destinada. Dizia mais ou menos o seguinte:

"Senhor F..., agradeço que esteja no cartório notarial às 12H00, para assinar a escritura da Lameira. Obrigado. O"

Fui à minha vida, verificar se estava tudo em condições e tratar de alguma imponderável de última hora que surgisse.

A pontualidade era uma norma da casa, cumprida escrupulosamente por toda a gente, do empregado mais humilde ao patrão, que detestava atrasos e ficava de "cabelos em pé" quando alguém se atrasava, incluindo ele próprio. Estranhou-se, por isso, que às 12H00, o outorgante mais importante não estivesse ainda presente.

Cinco, dez, quinze minutos e nada! O notário já desesperava e o ajudante do dito via a sua hora de almoço comprometida.

Os telemóveis ainda nem em projecto existiam e o telefone do cartório não era para uso público.

Embaraçado e sem saber o que fazer, pedi ao notário para, violando a regra, me deixar telefonar para a quinta. 

O último dos cinco números mal tinha acabado de regressar à posição inicial do disco e a voz surgia do outro lado:

- Sim!?
- Senhor F..., estamos todos à sua espera ...
- De mim, para quê?
- Para a escritura da Lameira, respondi, percebendo que qualquer coisa não tinha corrido bem.
- Deixei um papel escrito, em cima da mesa da sala ...
- Vi e li. Não tinha data, não adivinhava que era para hoje. Vou já para aí!

Passaram mais de quarenta anos. Ainda hoje, em qualquer situação, coloco sempre, mas sempre, a data. Para não ter surpresas ...

sábado, 15 de setembro de 2012

Palavras bonitas

No dia em que milhares de pessoas manifestaram o seu repúdio pelas "folhas de excel" que nos governam, é bom recordar palavras antigas, de um tempo que se quer antigo e sem retorno.

DE PORTA EM PORTA

- Quem? O infinito?
Diz-lhe que entre.
Faz bem ao infinito
estar entre gente.

- Uma esmola? Coxeia?
Ao que ele chegou!
Podes dar-lhe a bengala
que era do avô.

- Dinheiro? Isso não!
Já sei, pobrezinho,
que em vez de pão
ia comprar vinho ...

- Teima? Que topete!
Quem se julga ele
se um tigre acabou
nesta sala em tapete?

- Para ir ver a mãe?
Essa é muito forte!
Ela não tem mãe
e não é do Norte ...

- Vítima de quê?
O dito está dito.
Se não tinha estofo
quem o mandou ser infinito?
Tomai lá uma antologia
Alexandre O'Neill
Círculo de Leitores (1986)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Crise

Ao contrário do que dizem por aí as vozes desestabilizadoras da tranquilidade do País, o Presidente da República não fala por birrinha, por ter inveja da voz pausada do Ministro Gaspar e muito menos por não ter nada para dizer, mas simplesmente por estar afónico em resultado dos inúmeros banhos tomados nas águas cálidas da Praia da Coelha.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Crise

Mia Couto, em entrevista à Visão de hoje:

"Das várias vezes que tenho vindo a Portugal sempre me falam da crise. Mas agora as pessoas incorporaram esse sentimento - como se a crise fosse uma casa e já estivessem a morar nela, o que me perturbou. Há um olhar melancólico, que herdei, de quem está aqui empurrado contra o oceano e tem de fazer opções impossíveis: se é terra, se é mar ... Mas havia também um gosto de subverter essa melancolia com a pequena graça, a piada, as anedotas, o riso. Não o vejo, agora, tão presente."

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Privatizações e parcerias

De acordo com fontes geralmente bem informadas, o Governo encarregou o Ministro Miguel Relvas de, em conjunto com o consultor para as privatizações, constituir um grupo de trabalho para estudar a possibilidade de concessionar o Sol à iniciativa privada.
O concurso, cujas regras deverão ser publicadas, em inglês, no Diário da República, será aberto a investidores privados de todo o mundo, incluindo o governo chinês. 
A ideia é fruto de um estudo aprofundado de Miguel Relvas, justificando-se, desta forma, a fase de "hibernação" que o Ministro tem vivido nos últimos tempos. 
Nesse estudo, é demonstrado ser previsível que a iniciativa privada tenha capacidade para, empacotando o Sol, vendê-lo não só no mercado nacional, no inverno e nos dias em que o nevoeiro visita a Foz do Arelho, como também exportá-lo para todo o mundo, alegrando as gentes que raramente o vêem e sentem, e contribuindo para que a nossa balança de pagamentos passe a ser altamente positiva.
Espera-se que a "troika" concorde com esta medida e não impeça o desenvolvimento e o crescimento do país.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Cobras

- Hoje vamos às cobras, gritou o Júlio.
A pequenada abriu os olhos de admiração e de ignorância. Que raio queria ele dizer?
O Júlio era de poucas falas; na aula, o professor estava constantemente a referir que precisava de trazer o saca-rolhas para lhe arrancar um pouco mais do que um monossílabo e, agora, de repente e em voz bem alta, desafiava, ou antes, ordenava à turba que hoje íamos às cobras.
Que coisa mais esquisita, pensavam os "capitães da areia", aborrecidos com a possibilidade de não haver a futebolada do costume mas, ao mesmo tempo, com uma vontade louca de ver esclarecida a aventura que se perspectivava.
- Não é agora, esclareceu o Júlio, percebendo o desgosto e as dúvidas de todos.
- Logo à tarde, quando acabar a escola, vamos acabar com elas!
- 'Tás maluco! Falas de quê, questionou o Eduardo, sempre tão bem comportadinho, a pensar na explicação a dar à mãe por chegar tarde a casa, em alternativa a perder a aventura.
- Ontem, quando saí da escola, fui lá e vi-as. Eram duas, passeavam no restolho, grandes, enrolando-se e esticando-se, a deslizar, em curvas seguidas, com uma pele azul ou cinzenta, não consegui ver bem. Andavam depressa, mesmo sem pernas.
- Tiveste foi medo, foi o que foi, gracejou o Tóino, para quem as aventuras no campo não tinham segredos. Era o campeão da fisga, o que mais corria e saltava, o que conhecia os pássaros estivessem eles poisados ou a voar. Sempre descalço, as plantas dos pés passavam por qualquer folha ...sem o mínimo esgar de dor.
O Júlio tinha descoberto duas cobras na encosta fronteira à escola e queria matá-las à vista de toda a malta. Para além de peçonhentas e perigosas - olhem se o Tóino as pisa - comiam os ovos das perdizes e, dizia-se, até os perdigotos.
Toda a gente concordou: as cobras, se por ali andavam, tinham que ser mortas.
- E como as matamos nós, questionou o João.
- Eu trago a pressão de ar do meu pai - ele só lhe pega ao domingo e sai cedo para o trabalho, tal como a minha mãe - voluntarizou-se o Manel -, e o Tóino dispara. Se tem boa pontaria com a fisga, também a terá com a espingarda.
- Não é preciso espingarda nenhuma! Ainda alguém ouvia os tiros e fazia queixa à professora. Vamos matá-las com uma cana verde!
O pasmo foi geral. Cana verde para matar cobras, que nos morderiam pela certa? O Eduardo tinha razão, 'tava maluco, o Júlio!
- É fácil e vocês não têm que mexer uma palha. Eu faço o trabalho sozinho, só quero a vossa companhia, para verificarem que não minto.
O Júlio passou à explicação do projecto de assassinato das cobras, maduramente pensado na noite anterior, e narrou-o com uma desenvoltura que constratava, e muito, com o habitual mutismo na sala de aula.
- Vamos ao caniçal e cortamos duas canas, duas, não mais, bem grossas e compridas; com a minha navalha, faço um corte a meio de cada uma, rasgando a cana até metade e criando duas abas sobrepostas, que se manterão seguras, por o rasgo não chegar ao fim. A "arma" fica pronta a ser utilizada: basta apontar à cabeça e bater-lhe com força. A cana assim cortada não parte e a chibatada é bem forte. As bichas vão dar ao rabo e podem, se não tivermos cuidado, dar-nos a chibatada a nós. Confiem em mim. Estudei bem a lição! As duas que vi nunca mais comerão ovos de perdiz ou de qualquer outra ave, nem morderão os pés do Tóino.
E assim foi ... duas cobras morreram nesse final de tarde, às mãos da cana do Júlio (uma chegou).
Levava um arame no bolso e prendeu-as pela cabeça e, enrolando-as, colocou-as no saco de serapilheira que tinha escondido na mala. Tudo pensado, não havia dúvida!
- Vou enterrá-las no pomar da quinta.
A surpresa estava guardada para o dia seguinte. No intervalo, o Júlio foi à sebe e arrastou as cobras pelo pátio. 
Acabou o recreio para as meninas da outra sala, que fugiram a sete pés, refugiando-se junto da professora, a quem contaram o que estava a acontecer.

Durante uma semana não houve recreio para os "capitães da areia".

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Palavras bonitas

O SORRISO

Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

Poesia
Eugénio de Andrade
Fund. Eugénio de Andrade (2005)

domingo, 8 de julho de 2012

Carta aberta ao Ministro Miguel Relvas

Senhor Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares
Excelência

De acordo com as notícias desta semana, verifiquei que V. Exª. contribuiu para que as estatísticas do nosso Portugal nos apresentassem condignamente junto dos países que nos fazem companhia na União Europeia.

Já lá vai o tempo em que éramos conhecidos pelo analfabetismo e pelas limitações culturais endémicas. Agora, somos um país com uma população desenvolta, determinada, culta e com habilitações ao nível dos melhores.

O referido anteriormente é apenas a constatação de factos e isso, por si só, não justificaria que me dirigisse a V. Exª.. A razão que me leva a abusar do seu precioso e ocupado tempo surgiu-me por me parecer que, figurando nós já em belíssimo lugar, poderemos ser ainda melhores e, quiçá, atingirmos o primeiro lugar nas estatísticas do nível académico. Para isso, basta que V. Exª. emita uma "cartita" para cada um dos trabalhadores portugueses com um currículo pelo menos idêntico ao que permitiu a V. Exª. a obtenção duma licenciatura, grau académico tão importante quão necessário (para as estatísticas, mas não só ...), transmitindo-lhes como conseguirão ultrapassar a burocracia e a necessidade, mesquinha, de estudar para poder aprender e prestar provas, mostrando aquilo que se sabe.

Para que as coisas possam ser feitas com o rigor que se impõe, V. Exª. poderá exigir a todos os interessados na "cartita", que respondam a um breve questionário destinado a aquilatar o nível de conhecimentos de cada um e o curso mais adequado ao seu perfil.

Naturalmente que, vindo de V. Exª., esperar-se-á um questionário exigente, selectivo e verdadeiro... mas os trabalhadores portugueses estão bastante habituados a dificuldades.

Estou certo que a sugestão lhe agradará e lhe trará o reconhecimento de muitos milhares de portugueses, que deixarão de o assobiar e que irão votar em si, mal a oportunidade se lhes depare.
Fico aguardando que uma pausa nos seus inúmeros afazeres lhe permita analisar e aceitar a minha sugestão, disponibilizando-me para ajudar na redacção da "cartita", se a mesma for escrita de acordo com o antigo acordo ortográfico.

Para o questionário, sugiro que contacte o jornal "Público", com quem V. Exª. mantém excelentes relações, e obtenha dele um daqueles inquéritos de Verão, que satisfará plenamente o fim em vista.

Para garantir que as cartas serão entregues aos destinatários e que não haverá aproveitamentos indevidos em todo o processo, talvez seja conveniente a nomeação de um grupo de trabalho chefiado por aquele seu amigo das secretas, que me parece estar sem emprego e que deve ter o perfil adequado para tal.

domingo, 24 de junho de 2012

Netos

O Duarte chegou!

Calmamente, como se esperava, o meu terceiro neto aguardou que o avião trouxesse o pai de regresso, permitiu que o avô saboreasse um almoço na sua futura casa, deixou os pais darem um passeiozito à Foz para descomprimir e, ao cair da noite, ei-lo neste mundo para fazer a felicidade de todos nós.

Veio no dia de S. João, sem arquinhos nem balões, mas com a festa a que tem direito e merece.

No final de um dia cheio de emoções, que amanheceu com a filha no hospital e o filho no avião, sabe bem receber uma notícia destas ... e o coração aguenta!


terça-feira, 19 de junho de 2012

Livros (lidos ou em vias disso)

Não conhecia, nem sequer de nome.

Na visita à Feira do Livro deste ano, uma pequena nota na capa despertou-me a curiosidade: "Sem dúvida o maior romancista vivo de Espanha - António Lobo Antunes".

A sinopse da contracapa confirmou o impulso e comprei Rabos de Lagartixa, de Juan Marsé.

Li, fascinado, uma estória atribulada, passada nos finais dos anos quarenta, com o fim da 2ª. Grande Guerra ainda fresco e a ditadura de Franco em pleno.

Um adolescente imaginativo, travesso e artista, um bebé a reflectir no útero de uma mãe bela e ruiva, um polícia casmurro e apaixonado, um cão velho, rabos de lagartixa com propriedades terapêuticas, um pai anarquista, perseguido, idealista e metafórico e muito, muito mais.

"(...) no meio da circulação inclinada e pesarosa das pessoas, aquela menina que parece ter-se apropriado de todas as cores e fulgores do dia pára um momento e consulta o seu relogiozinho de celulóide com números amarelos e ponteiros de purpurina. O mostrador é celeste e a pulseira que lhe cinge o pulso é de cor violeta transparente com franjas amarelas. Porque olhas para ele, irmão, se sabes que os números mentem e os ponteiros são pintados e marcam sempre a mesma hora, uma menos um quarto? Consultas o teu relógio de pacotilha para fingir que és uma pessoa ocupada, alguém com certa pressa de chegar a um encontro importante?(...)"

Rabos de lagartixa
Juan Marsé
D. Quixote (2011)

terça-feira, 12 de junho de 2012

E o futuro é hoje ...

Porque vale a pena preservar, para memória futura, quando a história julgar os "vendilhões do templo" e os vindouros verificarem que, apesar de tudo, houve alguns dos nossos melhores que não calaram, não foram subservientes nem politicamente correctos, e usaram a liberdade, clamando de forma clara que o rei deste neoliberalismo que nos entra pela casa dentro todos os dias afinal vai nu e que só conseguiremos sair deste atavismo se valorizarmos e utilizarmos o conhecimento, a educação, a cultura, a ciência, para seguirmos em frente.

Que grande aula deu o Professor Nóvoa para a nossa história e para que os meus netos não tenham vergonha do país onde nasceram.



"(...)Mesmo na noite mais triste, em tempos de servidão, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não(...)" (Manuel Alegre - Trova do Vento que passa)

sábado, 2 de junho de 2012

Troika

As referências que por aqui tenho deixado sobre Miguel Sousa Tavares (que não conheço nem sequer de uma pequena festa de anos, como o outro) demonstram o meu apreço pelo escritor, pelo jornalista, pela forma como escreve, pelo desassombro com que assume as suas opiniões e pela intransigência que mantém na defesa da liberdade e da justiça.

Na semana em que, finalmente, a lenta justiça lhe reconheceu razão no processo movido contra uns energúmenos que panfletaram "notícias" segundo as quais haveria partes plagiadas no Equador, MST publica mais uma excelente crónica no Expresso, da qual respigo dois parágrafos:

"(...) Que o trio formado pelo careca, o etíope e o alemão ignorem que em Portugal se está a oferecer 650 euros de ordenado a um engenheiro electrotécnico falando três línguas estrangeiras ou 580 euros a um dentista em horário completo é mais ou menos compreensível para quem os portugueses são uma abstracção em matemática. Mas que um português, colocado nos altos círculos europeus e instalado nos seus hábitos, também ache que um dos nossos problemas principais são os ordenados elevados, já não é admissível. Lembremo-nos disto quando ele por aí vier candidatar-se a Presidente da República.

(...) Tenho muitas mais ideias, algumas tão ingénuas como estas, mas nenhumas tão prejudiciais como aquelas com que nos têm governado. A próxima vez que o careca, o etíope e o alemão cá vierem, estou disponível para tomar um cafezinho com eles no Ritz. Pago eu, porque não tenho dinheiro para os juros que eles cobram se lhes ficar a dever."

domingo, 27 de maio de 2012

FCP Campeão Europeu 1987

Passam hoje 25 anos sobre a vitória do Futebol Clube do Porto na Taça dos Clubes Campeões Europeus de futebol, a que assisti após mais de 4.000 Km de uma viagem cheia de aventuras e de peripécias, sem GPS nem moeda única, com passaporte e revista, demorada e bem inquirida, em todas as fronteiras.
Com um mapa sobre o qual tinha sido marcado o percurso que parecia mais adequado, oito "malucos" partiram à aventura, com 3 tendas, mantimentos, vontade e pouco dinheiro, compraram os bilhetes para o jogo já em Viena, foram gozados pelos alemães antes do mesmo, assistiram ao silêncio de muitos milhares aquando do calcanhar do Madjer e ao barulho ensurdecedor de meia dúzia de centenas de "portugas", cá dos confins do "sul mandrião", após o golo de Juary e até ao final da festa. Foi bonito!
Os adeptos do Bayern, que nos cumprimentaram na estrada e nos acessos ao estádio com gestos de dedos, uns referindo o número de golos que iriam marcar e outros aquele sinal, igual em todo o mundo, dos dois dedos encolhidos para um esticado, renderam-se à evidência de que "vale mais quem quer que quem pode", guardaram a arrogância no bolso e regressaram ao seu país com um "melão" bem maior do que aquele que, este ano, lhes voltou a calhar, com a diferença que, agora, a viagem ainda foi mais curta.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Livros (lidos ou em vias disso)

Cheguei ao fim!

São 1054 páginas de um português adjectivado, substantivo, recheado de belíssimos e desusados vocábulos, num romance sobre a história da Marquesa de Alorna, poetisa, neta de Leonor de Távora.

Ao longo da viagem histórica e romanceada, visita-se e reflecte-se sobre o despotismo de Pombal, as intrigas da corte, o papel das mulheres, o luxo, a superficialidade, os amores, as traições, os casamentos de conveniência, a "loucura" da Rainha e o oportunismo do Príncipe, as baixezas de Pina Manique, a revolução francesa, os interesses dos Estados, a política (só para homens), a poesia e os poetas, numa descrição cativante e empolgante, que faz ressaltar sempre a ânsia do saber, os livros, os ideais, as ideias, as Luzes que comandam, mesmo que, aos olhos da grande maioria, surjam descabidas, sem nexo, sem interesse, importância ou justificação.

Um grande livro!

As luzes de Leonor
Maria Teresa Horta
D. Quixote (2011)



terça-feira, 15 de maio de 2012

Quotidiano ... em férias

Embora não seja (ainda) sexagenário, o computador parece já ser da "idade da pedra lascada" e lá me vai pregando partidas, não funcionando quando deve, muito menos quando eu quero, mas quando lhe apetece ou lhe dá na real gana.
Tinha alinhavado meia dúzia de linhas sobre o fim de semana que, entretanto, perderam oportunidade e actualidade.
Fica apenas a referência a (mais) um grande concerto de Bethânia no Coliseu e uma lição de história no CCC, com muitas "estórias" à mistura, as quais, tudo o indica, irão surgir em mais um livro do Juiz Carlos Querido.
Ontem cumpriu-se o ritual, assistindo-se ao concerto do 15 de Maio, fraquinho na qualidade e fortíssimo nos decibéis (será da idade?).
Uma ida à Foz, o corte das pernadas dos pessegueiros que não aguentaram o peso da idade e dos frutos e ... dois dias já lá vão!

sábado, 12 de maio de 2012

Bernardo Sassetti

Já só figura na memória e na estante dos discos.
Partiu um grande, um extraordinário músico.
Fica a obra do génio e a afabilidade, simpatia e humildade de um homem com quem tive o privilégio de privar, em três ocasiões distintas, nas quais me demonstrou (como se eu não soubesse) que não é preciso dizer ou fazer constar que se é bom: está à vista!

terça-feira, 8 de maio de 2012

Alma mater

A luz, tão intensa quanto a dos teus olhos, as nuvens, que muitas vezes te trouxeram tempestades, a música, que não me trauteaste ao ouvido.
Fazias (fazes) hoje 89 anos.
Obrigado, mãe.

sábado, 28 de abril de 2012

Palavras bonitas

HORA DE PONTA


Olhos rasos de mágoa
trazem perda nos sentidos
e um andar que não recua
sem nunca ir mais além.
Ao fim da tarde na rua
olham em frente perdidos
e passam sem ver ninguém

Nada está escrito
Manuel Alegre
D. Quixote (2012)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Percurso


No exercício de hoje
Pra relembrar tempos idos
Tento colocar os sentidos
Alerta,
Na matemática.

Contei seguido e aos pares
Saltei como o caranguejo
E que vejo:
No dia da liberdade fiz
A capicua de dois,
Algarismo que serviu,
Depois,
Para completar duas dúzias.
Vejam só a ambição
De ver o tempo correr
Que doze meses passados
Já cá tinha um quarteirão.

Na época da ilusão
Tudo parecia real
O mundo estava a mudar,
(os filhos já a chegar)
Não havia volta a dar!
Acabara a escuridão,
O horizonte era vasto.
(como o pensar era casto)
O futuro já nos sorria
Na janela bem aberta,
De um país que pulsava,
Sentia, vivia, sonhava,
E, sobretudo,
Acreditava!

Os anos foram passando …
Os alcatruzes da nora
Já não trazem água fresca.
Está turva, que bem se nota.
A janela está fechada
Por culpa de quem a fez
(não cuidou bem da madeira)
E deixou que o caruncho
Sulcasse, de novo, a cama
E lhe apagasse a chama!

E eu, que só queria provar
Ser capaz de me contar
Por formas mui variadas:
Doze lustres, cinco dúzias,
Seis dezenas, quatro arrobas,
Dei uma volta na vida
E encontrei um cenário
Triste e tão pesaroso.
Hoje, já sou idoso,
Cordato, sexagenário!

domingo, 15 de abril de 2012

Madredeus

Ontem foi noite de concerto no CCC, que ainda permanece frio, à espera que a austeridade desapareça ou que o verão surja, quentinho.
Os Madredeus escolheram as Caldas para apresentarem ao vivo o novo disco - Essência - recentemente editado e que assinala os 25 anos do grupo. O trabalho é uma visita a alguns dos muitos êxitos que, ao longo deste quarto de século, nos habituamos a ouvir, a ver e a apreciar, e que surgem como uma roupagem nova, mais cheia e mais lenta.
Do anterior agrupamento restam Carlos Maria Trindade e Pedro Ayres de Magalhães, surgindo um violoncelo a brilhar nas mãos de Luís Clode (foi professor no Conservatório de Caldas), dois violinos, Jorge Varrecoso e António Figueiredo, e a voz de Beatriz Nunes, a procurar fazer esquecer Teresa Salgueiro.
A primeira parte não foi brilhante, com a música a sobrepor-se demasiado à voz, algo tensa, de Beatriz Nunes, que parecia adivinhar as comparações que se faziam na plateia.
Na segunda parte, Beatriz Nunes surgiu mais tranquila e mais segura, resultando um excelente concerto, onde ressaltou a qualidade dos novos arranjos e o virtuosismo dos músicos.
Já passava da meia-noite quando se ouviu a última música dos "encores", com uma interpretação excelente, que nada ficou a dever à que abaixo se reproduz.
Uma pequena nota final: ao consultar a página dos Madredeus verifiquei que o primeiro concerto do grupo a que assisti aconteceu em 20 de Maio de 1994, no Mosteiro da Batalha. Já lá vão quase 20 anos!

domingo, 8 de abril de 2012

Cão de ... rocha

Foz do Arelho, manhã de hoje.
O cão, que o tempo esculpiu na rocha, medita no modo como o mar tirou a areia que cobria as rochas e a transportou para a aberta, sem uma única máquina, camião ou draga.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Quotidiano

Lapso (Adjectivo) - Erro, falta que se comete, falando ou escrevendo, por inadvertência, descuido ou falha de memória (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
Na semana da Páscoa, o Ministro Gaspar explicou, pausadamente como é seu timbre, que o ano de 2015 será o consecutivo do ano 2014 e que os subsídios de Natal e de férias voltarão aos bolsos dos funcionários públicos, de forma gradual, nesse ano e não em 2014, como, por mero lapso, havia referido anteriormente. 
Ainda bem que o Ministro Gaspar explicou tão direitinho aquilo do ano consecutivo. Esta angustiante ignorância de não saber que o ano de 2015 era o consecutivo de 2014 estava a aumentar-me perigosamente os níveis de ansiedade. Ficou tudo claro e vou passar a dormir mais tranquilo, à espera que 2016 seja o consecutivo de 2015 e que um senhor Fulano de Tal qualquer surja como consecutivo do Ministro Gaspar, muito antes disso.
Já não há pachorra para aturar aquele ar de sapiência infinita e aquela voz monocórdica de suprema clareza.
Tranquilo com a sequência dos anos, estou agora ansioso para não perder o momento em que o porta-voz do Conselho de Ministros virá explicar o lapso de se ter esquecido de nos informar que tinham aprovado a suspensão das reformas antecipadas, coisita de somenos, uma vez que se trata da gestão do dinheiro dos nossos descontos.
Entretanto também estou a aguardar que Cavaco Silva explique na sua página do Facebook como conseguiu promulgar o diploma tão rapidamente. Não o terá lido? Terá sido lapso?
Durmamos descansados, que há sempre alguém inteligente que vela por nós e pelo nosso bem-estar.
Devemos, por isso, voltar a ser "cidadãos atentos, veneradores e obrigados, a bem da nação", como antigamente, lembram-se?

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Portugal ... pequenino

António Lobo Antunes é um dos escritores preferidos cá de casa e a sua obra literária (completa) tem lugar de destaque na memória e na estante.
Para além dos livros que o mantêm sempre por aqui, quinzenalmente faz-nos a visita nas crónicas da Visão, já por várias vezes aqui destacadas.
Esta semana, com um humor irónico de alto nível e a qualidade habitual da escrita, Lobo Antunes espraia-se pelas figurinhas e pelos figurões desta "nação valente e imortal" e termina assim: 
"... Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto. Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar? O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever. E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes."

domingo, 1 de abril de 2012

A cabana do pescador



Numa manhã cinzenta, com alguns pingos a convidarem a ficar em casa, cumpriu-se o ritual do Domingo, com uma ida à Foz para mirar as obras intermináveis da dragagem e procurar que o ar do mar limpe o nariz que os pólens teimam em manter congestionado.
O pisar difícil da areia e o mar a provocar lembranças dos mergulhos que irão chegar dentro em pouco, despertam, lembram, fazem reflectir naquilo que somos, no que queremos ser, no que não somos, naquilo a que damos importância.
Há cerca de uma semana, num movimento voluntário a nível nacional e com a devida divulgação, houve uma acção de limpeza por variadíssimos locais públicos, que recolheu muitas toneladas de lixo.
Ontem, de acordo com as notícias, cerca de 50.000 portugueses manifestaram-se em Lisboa contra a diminuição do número de freguesias e ouviram discursos inflamados de autarcas preocupados com o bem estar das "suas" populações e com a eventual extinção dos serviços que as "suas" autarquias a elas prestam, tais como, cito, "abrir conta no Banco".
A cabana do pescador ilustra, com eloquência, a falta de civismo, de educação e de respeito pelo que é público e de todos. O pescador que, se lhe for perguntado, dirá que ama a natureza e principalmente o mar, deu-se ao luxo de construir uma barraca para se proteger e ainda deixou um montão de lixo que levou e que alguém há-de limpar.
A autarquia, lá para os finais de Junho, acudirá, pressurosa, a limpar a praia, com grande sacrifício financeiro, só justificado pela preocupação, conhecida, com o bem estar dos veraneantes.
As fotos são apenas uma pequena ilustração do muito lixo que a Foz contém.

terça-feira, 27 de março de 2012

Dia Mundial do Teatro

Apesar de o teatro da vida nos reservar surpresas onde menos se esperam, regista-se a comemoração do dia salientando o excelente trabalho que o Teatro da Rainha, remando muito, vai realizando nesta terra.

Na sua página pode-se espreitar o que vai acontecer ... com a possibilidade de, um dia, poder ver teatro na sala que (ainda) é projecto.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Palavras bonitas

P A I S A G E M

Passavam pelo ar aves repentinas,
O cheiro da terra era fundo e amargo,
E ao longe as cavalgadas do mar largo
Sacudiam na areia as suas crinas

Era o céu azul, o campo verde, a terra escura,
Era a carne das árvores elástica e dura,
Eram as gotas de sangue da resina
E as folhas em que a luz se descombina.

Eram os caminhos num ir lento,
Eram as mãos profundas do vento
Era o livre e luminoso chamamento
Da asa dos espaços fugitiva.

Eram os pinheirais onde o céu poisa,
Era o peso e era a cor de cada coisa,
A sua quietude, secretamente viva,
E a sua exaltação afirmativa.

Era a verdade e a força do mar largo,
Cuja voz, quando se quebra, sobe,
Era o regresso sem fim e a claridade
Das praias onde a direito o vento corre.

Poesia
Sophia de Mello Breyner Andresen
Caminho (2005)

F O L H I N H A

Murchou a flor aberta ao sol do tempo.
Assim tinha de ser, neste renovo
Quotidiano.
Outro ano,
Outra flor,
Outro perfume.
O gume
Do cansaço
Vai ceifando,
E o braço
Doutro sonho
Semeando.
É essa a eternidade:
A permanente rendição da vida.

Outro ano,
Outra flor,
Outro perfume,
E o lume
De não sei que ilusão a arder no cume
De não sei que expressão nunca atingida.

Orfeu Rebelde
Miguel Torga
Gráfica de Coimbra (1922)

R I C O C H E T E

Que margens têm os rios
Para além das suas margens?
Que viagens são navios?
Que navios são viagens?

Que contrário é uma estrela?
Que estrela é este contrário
De imaginarmos por vê-la
Tudo à volta imaginário?

Que paralelas partidas
Nos articulam os braços
Em formas interrompidas
Para encarnar um espaço?

Que rua vai dar ao tempo?
Que tempo vai dar à rua
Por onde o Firmamento
E a Terra se unem na lua?

Que palavra é o silêncio?
Que silêncio é esta voz
Que num soluço suspenso
Chora flores dentro de nós?

Que sereia é o poente,
Metade não sei de quê
A pentear-se com o pente
Do olhar finito que o vê?

Que medida é o tamanho
De estar sentado ou de pé?
Que contraste torna estranho
Um corpo à alma que é?

O Sol nas noites e o luar nos dias
Natália Correia
Círculo de Leitores (1993)

D U N A S

É o mar do deserto, ondulação
Sem fim das dunas,
Onde dormir, onde estender o corpo
Sobre outro corpo, o peito vasto,
As pernas finas, longas,
As nádegas rijas, colinas
Sucessivas onde o vento
Demora os dedos, e as cabras
Passam, e o pastor
Sonha oásis perto,
E o verde das palmeiras se levanta
Até à nossa boca, até à nossa alma
Com sede de outras dunas,
Onde o corpo do amor
Seja por fim um gole de água.

O sal da língua
Eugénio de Andrade
APEL (2001)