Um sol enganador - Miguel Sousa Tavares
Casa situada na cidade das Caldas da Rainha, "nascida" em 1976, numa rua sossegada, estreita e, desde Abril de 2009, com sentido único. Produção: dois frutos de alta qualidade que já vão garantindo o futuro da espécie com quatro novos, deliciosos. O blog é, tem sido ou pretendido ser uma catarse, o diário de adolescente que nunca escrevi, um repositório de estórias, uma visão do quotidiano, uma gaveta da memória.
domingo, 22 de setembro de 2013
Leituras de fim de semana
Um sol enganador - Miguel Sousa Tavares
domingo, 15 de setembro de 2013
Palavras bonitas
Num deserto sem água
numa noite sem lua
num país sem nome
ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Mar Novo
sábado, 7 de setembro de 2013
Negócio
- Grande negócio!
A alegria era evidente e o entusiasmo contagiante. O sorriso de "orelha a orelha" denunciava que algo de muito importante tinha acontecido naquele dia. Era sexta-feira e, como habitualmente, fazia-se a reunião de balanço da semana e de preparação da seguinte.
Era o tempo em que a debulha do trigo se fazia numa eira de circunstância, normalmente instalada numa terra de pousio cedida por um agricultor da região.
Já se ouviam rumores de que, na América, o trigo era colhido e de imediato debulhado pelas grandes ceifeiras debulhadoras. Dizia-se que, com apenas um homem e em um dia, se ceifava mais na América do que em Portugal na época toda. As máquinas ceifavam, debulhavam, ensacavam e enrolavam a palha, tudo automático e sem outra intervenção que não a do condutor.
Dizia-se ... mas, por cá, continuava-se a ter grandes ranchos de homens e mulheres, que segavam o trigo e o atavam em rolheiros, que as galeras, as carroças e os poucos tractores transportavam para as eiras. Nesse ano, a debulhadora estava instalada na Foz, ali a dois passos de uma das quintas, onde se tinha semeado bastante e a colheita parecia ir ser boa. Faziam-se palpites e acreditava-se não ter menos de quinze sementes.
Os atados do trigo eram colocados em grandes medas e o dia da debulha marcado pelo encarregado, de acordo com a ordem de chegada e com o "peso" do agricultor. O custo do trabalho era pago em cereal, com retenção da maquia ajustada, logo no início da debulha.
Na eira, a azáfama era enorme e o pó insuportável. O trigo era ensacado em sacas de serapilheira, atadas com o barbante que o homem a quem competia esse trabalho tinha cortado previamente do rolo e que lhe enchia os bolsos. Da enfardadeira, colocada na traseira da debulhadora, saía o fardo de palha, um paralelepípedo atado com três arames.
- Vendi 1.000 fardos de palha a 4$50 cada! E na eira! O homem vai carregá-los amanhã e já me deu o cheque!
Cheques, na época, circulavam pouco e não eram usados habitualmente em negócios de ocasião, como este tinha sido. Só aos clientes habituais se autorizava este luxo.
Ficou o cheque no cofre, para no sábado, de manhã, se ir "rebater" ao Banco Lisboa & Açores. Na ida semanal ao Banco, levavam-se todos os cheques recebidos na semana e trocavam-se pelo dinheiro necessário para pagar as jornas, depositando-se a diferença na conta. Se a receita da semana não chegava, o patrão, na reunião da sexta-feira, entregava um cheque, para reforço da caixa.
A pasta transportava o dinheiro necessário, bem trocado em notas e moedas, para ser fácil pagar a cada um o (pouco) salário que lhe cabia na semana, de acordo com as presenças anotadas nas folhas de férias, até sexta-feira, e completadas no sábado, antes de se proceder ao pagamento.
- Esta semana tem cinco dias e um quartel!
- Na segunda-feira fui ao enterro dum tio ...
A lista do desdobramento da verba era entregue em conjunto com os cheques, e o Sr. M. ia ao interior do banco e voltava com tudo muito bem organizado, as moedas em rolinhos, as notas em macetes.
Na semana seguinte, a entrada no banco teve uma saudação especial.
- Tenho um presente para ti!
- ??
- Um cheque devolvido por falta de "chapéu".